Xavier Placer
Não haviam tocado nos papéis
65 DUAS SEMANAS depois recebi pela manhã um telefonema. Era Jovita.
Justificando-se, disse que andara pelo interior da Itália e, de volta a Roma, encontrara no Hotel o meu telegrama. Viajara imediatamente.
Estranhei que não fizesse perguntas sobre a morte de Arno. Talvez estivesse informada por outras pessoas. Apenas indagou sobre o Tio Justo. Pediu-me por último para eu acompanhá-la em visita ao cemitério. Fui à tarde esperá-la à entrada do São João Batista.
Frágil e abatida, assim a notei. Minha velha e pouca simpatia para com ela envergonhou-se de repente. Atropelei umas palavras sobre Aninha; como havia a menina recebido a notícia?
– É criança, ficou pensativa. Dali a dez minutos já telefonava para uma coleguinha.
Ao chegarmos à beira do túmulo. Jovita rompeu a chorar.
– Eu devia ter trazido umas rosas.
Ofereci-me para ir buscá-las.
– Não, não, Nestor! Não me deixe sozinha.
Ajoelhou-se, e rezava.
Depois, enxugando os olhos, ergueu-se.
– Eu nunca fiz esforço para compreendê-lo. Num murmúrio, instantes após: Nem ele a mim.
– Oh, Jovita, não se martirize.
– No entanto, Nestor, tínhamos tudo para sermos felizes.
Quedou ali. Recolhida. A tarde acabava entre aquelas formas brancas devagar.
Não sabia o que fazer de mim, quando um homem se aproximou. Por favor, doutor! por favor, era agente credenciado da maior e melhor marmoraria da cidade, líder no gênero, e oferecia o mais satisfatório serviço na especialidade. Trabalhavam com mármores e granitos, nacionais e importados, retratos inoxidáveis, crucifixos em bronze, peanhas, vasos em alabastro ou gesso. Arquiteto próprio, agora a Casa dispunha inclusive de um poliglota para epígrafes de sentimento e respectivo cinzelador. Preços? os da idade da pedra, doutor.
– Muito bem.
– Agradeço a atenção, doutor. Aqui todos conhecem o Mário, Mario Callado, para servir, da Marmoraria Taveira Soares.
Apresentou o cartão, dobrando-o no canto e corrigindo o número do telefone.
– Muito bem, eu o procurarei.
– Aguardo então um fio para a honrosa visita domiciliar.
Jovita decidira partir.
Um enterro azul de criança galgava a colina pela aleia das acácias. Descemos em silêncio. Já perto da saída falou numa missa de trigésimo dia que desejava mandar celebrar.
– Você vai, sim. Quero ver lá também Margarida.
Conduzi-a até o carro onde o chofer esperava. Vi-a tão triste que propus acompanhá-la ao apartamento.
– Não, não, obrigada por tudo! Eu telefono. Preciso conversar muito, muito, com você, Nestor. Preciso.
Comuniquei-me com Soraya.
Não estaria disposta a viajar a Santa Rita naquele fim de semana, apresentar o neto a Tio Justo?
Já pensara nisso, mais de uma vez. Não via jeito...
Observei que a coisa tinha que ser feita e quanto mais cedo melhor. Era aquela a hora, inclusive para consolar um pouco o velho.
– Também acho, meu amigo. Você leva Margarida?
– Claro que vai conosco.
Ainda insistiu:
– Você acha, Nestor, que ele... Não sei, vai me condenar?
– Condená-la, por quê? Tio Justo é homem para quem nada há de estranho na vida. E com o herdeiro dos Melos nos braços! A grande dor não a esqueceria mas ia sorrir. Convinha até que ela ficasse por lá um ou dois meses.
Fomos. E tudo aconteceu como previsto.
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