Xavier Placer
Clarinadas
53 CLARINADAS. PARA ONDE VAMOS? Editoriais. Manifestos. Crise na Bolsa. Greves. Passeatas. Comícios. Ativistas de mil siglas na rua – PUA/UNE/UDN/CGT/PTB/PSD/PSB/PST/PC/LC/RL/ED/
IPES/CNTI/IBAD... Do outro lado rumores cada dia mais fortes: capitães-de-indústria rondando capitães-de-caserna. Este o saldo – fins de 63/início de 64 – do governo Goulart.
Arnóbio, agora colaborador só às quintas-feiras de Última Hora, escreveu um artigo – Reformas de Base, Sim: Paranoia. Não. Apelava em prol da causa, realismo, bom-senso. Era preciso a todo custo preservar a democracia, as forças poderosas estavam aí, perdida a liberdade, tudo estava perdido. Veementemente encerrava o escrito interpelando os dirigentes: onde punham a dialética de que tanto falavam, onde punham a cabeça fria e a responsabilidade?
O artigo, desta vez mais longo, nascera de sua crescente discordância de partidário, consciente e responsável, contra a insensatez dos métodos, pela previsão dos rumos. Quase um desabafo. Não contava muito que o publicassem, quis conferir.
E não se enganou. Aceitava o trabalho, porém com outro título e cortes. Como Arno não concordou numa coisa nem noutra, engavetaram-no. Que escrevesse outro! Indignado e ofendido, ele não deu resposta.
Desde os começos de março insistíamos que ele viajasse para Santa Rita e se resguardasse por lá até se definir ou clarear a situação. Minha mulher chegou a gracejar:
– Arno, não vá o Protásio se lembrar de suas antigas brincadeiras e vingar agora a querida sobrinha.
– Você está venenosa, Margarida. O Protásio não usa mais o 45, agora porta um 38.
Disse-nos que um excelente amigo, Major Colares, do Centro de Informações do Exército, confidenciara-lhe que o prontuário o fichava como aluno indisciplinado no CPOR. Muito ligado a outro esquerdista, Seroa, suspeito de pertencerem à rede de apoio dos frades dominicanos para ajudar "procurados" a fugir do País.
Margarida: Esse, é o seu amigo do peito. Não puxa o revólver quando ouve a palavra cultura.
– Velho amigo. Me observou que eu entendia por que não o rasgara. Bem podia estar ele vigiado por algum "araponga".
A situação geral agravou-se, agravava-se cada dia.
O povo, ao sair pela manhã para o trabalho, não sabia se teria à tarde transporte para casa. Desordem, inquietação generalizada. As multinacionais exacerbadas com a lei de controle de remessa de lucros para o exterior. O alto escalão militar dividido.
Sexta-feira, 13 de março. O presidente da República em pessoa e esposa participam do comício das reformas, comício dos 200 mil, na Central do Brasil, frente ao palácio Duque de Caxias do Exército.
A exaltação dos oradores e as teses radicais estarrecem. A mídia em peso dá destaque, a caserna alvoroça-se ao crime de lesa-pátria. E agora?
Margarida: Arno, Arno, que espera você no Rio?
Achou que tanto ela como eu exagerávamos:
– Francamente, primos, vocês estão vendo fantasmas.
Margarida: Você está falando da boca pra fora, Arno. Vai embora pra Santa Rita, querido.
Marcha Deus-Pátria-Família. Marcha dos Cem Mil em resposta. Marinheiros no Rio, insuflados mais uma vez por um cabo que a imprensa posteriormente identificaria como provocador a serviço, amotinam-se.
E sobreveio o Golpe.
Madrugada de 31 de março. Um comandante em Juiz de Fora, antecipando-se a planos, joga impetuosamente a tropa na estrada União-Indústria. Os de cá marcham a engrossar, descem todos a montanha depois de um dia de confraternização: 1º de abril de 1964.
Só aí Arno nos deu ouvidos, partindo para Santa Rita levado por Uziel. Brinquei com ele:
– Olha o que diz o jornal deste 3 de abril, Jango exilou-se no Uruguai.
– Adeus. Eu vou pra mais perto...
Despedida de Margarida:
– Nem se aflija por lá tanto com o Golpe, Arno. Quando as generalas se saciarem, os maridos se aquietarão.
– Que assim seja. Vocês acompanhem aí o Seroa, não vá fazer agora uma das suas.
Pag
55/70
