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Clarinadas

 

53 CLARINADAS. PARA ONDE VAMOS? Editoriais. Manifestos. Crise na Bolsa. Greves. Passeatas. Comícios. Ativistas de mil siglas na rua – PUA/UNE/UDN/CGT/PTB/PSD/PSB/PST/PC/LC/RL/ED/

IPES/CNTI/IBAD... Do outro lado rumores cada dia mais fortes: capitães-de-indústria rondando capitães-de-caserna. Este o saldo – fins de 63/início de 64 – do governo Goulart.

       Arnóbio, agora colaborador só às quintas-feiras de Última Hora, escreveu um artigo – Reformas de Base, Sim: Paranoia. Não. Apelava em prol da causa, realismo, bom-senso. Era preciso a todo custo preservar a democracia, as forças poderosas estavam aí, perdida a liberdade, tudo estava perdido. Veementemente encerrava o escrito interpelando os dirigentes: onde punham a dialética de que tanto falavam, onde punham a cabeça fria e a responsabilidade?

        O artigo, desta vez mais longo, nascera de sua crescente discordância de partidário, consciente e responsável, contra a insensatez dos métodos, pela previsão dos rumos. Quase um desabafo. Não contava muito que o publicassem, quis conferir.

         E não se enganou. Aceitava o trabalho, porém com outro título e cortes. Como Arno não concordou numa coisa nem noutra, engavetaram-no. Que escrevesse outro! Indignado e ofendido, ele não deu resposta.

  

         Desde os começos de março insistíamos que ele viajasse para Santa Rita e se resguardasse por lá até se definir ou clarear a situação. Minha mulher chegou a gracejar:

      – Arno, não vá o Protásio se lembrar de suas antigas brincadeiras e vingar agora a querida sobrinha.

          – Você está venenosa, Margarida. O Protásio não usa mais o 45, agora porta um 38.

        Disse-nos  que  um  excelente  amigo, Major Colares, do Centro de Informações do Exército, confidenciara-lhe que o prontuário o fichava como aluno indisciplinado no CPOR. Muito ligado a outro esquerdista, Seroa, suspeito de pertencerem à rede de apoio dos frades dominicanos para ajudar "procurados" a fugir do País.

       Margarida:  Esse,  é o seu amigo do peito. Não puxa o revólver quando ouve a palavra cultura.

          – Velho amigo. Me observou que eu entendia por que não o rasgara. Bem podia estar ele vigiado por algum "araponga".

           A situação geral agravou-se, agravava-se cada dia.

          O povo, ao sair pela manhã para o trabalho, não sabia se teria à tarde transporte para casa. Desordem, inquietação generalizada. As multinacionais exacerbadas com a lei de controle de remessa de lucros para o exterior. O alto escalão militar dividido. 

         Sexta-feira, 13 de março. O presidente da República em pessoa e esposa participam do comício das reformas, comício dos 200 mil, na Central do Brasil, frente ao palácio Duque de Caxias do Exército.

           A  exaltação dos oradores e as teses radicais estarrecem. A mídia em peso dá destaque, a caserna alvoroça-se ao crime de lesa-pátria. E agora?

           Margarida: Arno, Arno, que espera  você no Rio?

           Achou que tanto ela como eu exagerávamos:

           – Francamente, primos, vocês estão vendo fantasmas.

         Margarida: Você está falando da boca pra fora, Arno. Vai embora pra Santa Rita, querido.

      Marcha  Deus-Pátria-Família. Marcha dos Cem Mil em resposta. Marinheiros no Rio, insuflados mais uma vez por um cabo que a imprensa posteriormente identificaria como provocador a serviço, amotinam-se.

            E sobreveio o Golpe.

         Madrugada de 31 de março. Um comandante em Juiz de Fora, antecipando-se a planos, joga impetuosamente a tropa na estrada União-Indústria. Os de cá marcham a engrossar, descem todos a montanha depois de um dia de confraternização: 1º de abril de 1964.

          Só  aí  Arno  nos  deu ouvidos, partindo para Santa Rita levado por Uziel. Brinquei com ele:

           – Olha o que diz o jornal deste 3 de abril, Jango exilou-se no Uruguai. 

           – Adeus. Eu vou pra mais perto...

           Despedida de Margarida:

           – Nem se aflija por lá tanto com o Golpe, Arno. Quando as generalas se saciarem, os maridos se aquietarão.

          – Que assim seja. Vocês acompanhem aí o Seroa, não vá fazer agora uma das suas.

 

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