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51 MÊS DEPOIS, corrigia à noite provas na sala, depois de ter lido o artigo de Arno na Última Hora, quando toca o telefone. Atendeu minha filha.

        Era Irema querendo falar com a mãe.

     –  Pronto,  temos novidade!  e Margarida foi atender na extensão do quarto.

 

        Meia hora passada, retornou:

        – Irema viu Arno com Soraya.

        – Como? Este Rio de Janeiro é uma aldeia...

       – Disse que não vigiava ninguém, que fora uma descoberta por acaso.

        – Quando foi isso, Margarida?

        – Esta manhã.

        – Nesta altura já ligou pra Jovita.

    Ela jurara que não. Reagira até quando lhe pedira que guardasse segredo, não precisava recomendar, não era nenhuma intrigante. Além disso gostava demais de Jovita, a quem considerava verdadeira amiga, pra dar uma notícia dessas à coitada. Que tivera tal ímpeto, isso tivera. O bandido do Arno! Conquistador de marca, só Jovita é que não enxergava.

        – Você não lhe disse que ela exagerava?

        – Nestor, alguém pode com Irema?

        – Realmente. Essa baixinha...

     Contara que dessa vez era uma turca. Não lhe negava o gosto, não. Morena, alta, se não turca, filha dessa gente... Ih, eu precisava só ver o chamego. Verdadeiro casalzinho de pombos, aquilo não podia ser uma ida qualquer a motel, devia ser amoreco antigo.

       – Essa mulher é terrível. Se ainda não consumou a intriga é que vais bisbilhotar mais para dar um serviço completo à amiga. Devo prevenir logo Arno.

       –  Não, não,  devagar,  meu  marido. Você está esquecendo que Jovita é orgulhosa.

      – Margarida, você também esquece que as duas sempre se entenderam à maravilha. Vou ligar já já pra Arno.

   Pediu-me que jamais fizesse isso. Deixasse as coisas acontecerem, eu podia precipitar uma situação que talvez tomasse outro rumo.

 

     Prevenir meu primo? Esperar? Que os dias trouxessem a solução?

        Três  exatos  dias  em dúvida. Antes que o fizesse, Arnóbio me telefona para um encontro. Queria conversar comigo, assunto importante.

        – Irema?

        – Sim. às oito, no Bar 7.

       Já o encontrei lá. Com ele estava um desconhecido, Arnóbio pediu-lhe que nos deixasse a sós, era assunto de família.

       Engoliu  o  resto  do  chope  enquanto meu primo lhe metia uma nota no bolso.

        – É um mecenas de verdade! Pago com a última anedota.

        –  Outra hora, outra hora.

        Partiu.

        – Quem é?

        – Um velho boêmio.

       Achei-o  mais  tranquilo do que esperava. Ou dominava-se. Ao contar os fatos não pronunciou o nome de Irema. O diabo é que fora apanhado de surpresa.

        – Bem que pensei em te prevenir... Por que não o fiz?

      Disse que eu estava com cara de tragédia. Aquilo tinha de acontecer, de uma forma ou de outra, pronto, acontecera.

        – Mas é o fim de seu casamento, Arno.

      – É. Não acho que o casamento seja uma relíquia bárbara, como o ouro. Relíquia bárbara ou não, o nosso já estava chegando ao fim. Somos duas criaturas tão diferentes. Tentei de início arrancar Jovita ao ambiente medíocre que a cercava... Fracassei. Fosse eu fiel a ela, seria infiel a mim. O mesmo, no fundo, Jovita.

         – Como assim?

         – Você conhece o Lincoln...

         – De vista. Esse rapaz o que faz?

       –  Dá-se  ao  luxo  de  ser filho de um megainvestidor na Bolsa. Pois bem, há uma, como dizer? afinidade entre ambos (sorriu sem graça). Não o censuro, Nestor.

         – Eu censuro. Esse tal de Lincoln não é mais novo?

       – Ora,  Ora!  E  você a querer lógica nessas coisas. Nisto tudo, um só ponto me preocupa deveras, Aninha, minha filha.

         Contou a reação de Jovita. Chegara ali pelas oito, subira no elevador conversando com o sobrinho do síndico sobre a vitória do clube do rapaz e desaba a tormenta. Pelo que deduzira, a informante exagerava, o veneno fora completo. Devia ter se informado com o porteiro... Mas acrescentara de sua parte. Que ele instalara a amante numa cobertura, com empregada, carro e chofer, por aí.

      Eu: Meu Deus! Irema perdeu já a noção entre real e o fantástico.

      Arno  continuava.  Um  momento houvera, depois de o acusar do que sabia e do que não sabia, pensou que a mulher tinha enlouquecido. Jovita, que dava sempre a impressão de tão segura, de tão fria! Que fúria... Pedira a ela calma, que se sentasse e conversassem. Pegou a gritar: Calma? Como vou ter calma? Te odeio, te odeio! e lhe atirara em cima a Nefertiti.

         – Oh! espatifou-se aquela obrinha de arte?

         – Quase. Caiu no centro do sofá.

       Depois  trancara-se  no  quarto.  Ele  passara  a noite na poltrona da biblioteca. Naquelas horas pensara mais de uma vez em ir bater-lhe à porta, mas desistira. De manhã ela, sem dirigir-lhe a palavra, fora com Aninha para o Leme, para o apartamento da Tia.

        – A menina assistiu a isso?

        – Felizmente não, dormia.

        Um momento calávamos.

        – Que pretende fazer?

       – Refleti muito. Chegou a hora da verdade, como se diz. Só me resta uma opção: assumir.

 

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Meio-dia de sábado e sol

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