Xavier Placer
50 NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, os loteamentos haviam expandido Santa Rita da Serra em bairros novos e condomínios. Cortes verticais de encostas vermelhavam na distância.
Soraya: Que pena, não visitei as instalações industriais da fazenda.
– Tudo fechado pra evitar a invasão de tanta gente. Então, e meu velho?
– Primeiro, ele não é velho. Segundo, com que graça se desculpou de não poder atender a gente. Mas me relanceou um olhar fino... Você acha que colou essa de Zé-Geraldo fazer de noivo?
– Tal resposta, minha querida, você a terá na eternidade.
– Na eternidade, Arno?
– Soraya, lembre-se de que está no maravilhoso – e fino – País das Gerais.
Ela sorriu, entendendo.
– Tenho uma coisa a contar a você. Faz um mês mais ou menos estive na butique. Com uma amiga.
– Jovita estava?
– Sim. Porém quem nos atendeu foi uma balconista. Na hora chegaram duas colegiais e ela logo saiu com as meninas.
– Ana Mariana e alguma coleguinha. Jovita almoça todo dia com ela. Viu Ana Mariana?
– Mãe e filha, tudo de relance.
– Achou a garota parecida comigo?
– Com a mãe.
Depois de contemplar colinas e planícies, desceram pelo mesmo caminho. Sem falar. Um e outro parecendo refletir no que tinham acabado de conversar.
Saltaram seguindo a pé pela pracinha de coreto e canteiros em forma de estrelas onde ficus recortados baixo afiguravam cubos, esferas e pirâmides. Ela chamou a atenção para o detalhe.
Arno: Cala-te, forasteira. É o luxo dos munícipes. Atenta, atenta pro cheiro de café, das muitas torrefações por aí, característica da cidade. Outras há, você verá todas.
– Sim, Arno, me diga o que acha Nestor de nosso relacionamento.
– Oh, querida, Nestor é meu amigo! Você se preocupa com certas coisas... Me disse uma coisa engraçada.
– O quê?
– Não se zangue. Que você assimilou expressões e jeito meus, será?
– Arno, eu sou você.
– Querida, perdoa o lugar-comum. E você é a mulher da minha vida.
Silenciaram.
Passavam pessoas, algumas acenavam amigamente para Arno.
– E como vão os seus? perguntou ele.
– Ah, tenho esquecido um pouco minha gente. Várias cartas para responder...
– Você aniversaria mês que vem. Não esqueci. Que quer de seu amigo?
– Que posso querer mais do meu amor?
– Como é grato ouvir essa palavra. Sabê-la feliz, plenamente feliz.
– Ah, sim, você pode me dar um grande presente.
– O quê? fala.
– Penso muito, muito, Arno. Nos seus artigos e nas cartas anônimas que vem recebendo. Noite dessas sonhei com isso. E se você parasse? Repetia meu professor de francês: "Deixamos o mundo tão torto como o encontramos"...
– Agora o sonho. Me conta.
– Ah, amor, vamos falar agora em coisas alegres. Me sinto tão feliz em ter vindo conhecer Santa Rita e tudo que se relaciona com você...
Desejou visitar a matriz. Fazia-se um pedido especial quando se entrava pela primeira vez numa igreja.
– Pode-se saber o seu pedido especial?
– Pena que o tempo, inimigo ciumento, não tenha poder sobre nosso amor. Acrescentou baixinho: Arno, Arno, este amor é bonito demais para durar... e enxugou uma lágrima.
Cansadíssimos porém contentes, os visitantes retornaram ao Rio ao cair da tarde. Tudo dera certo. Tio Justo veio trazê-los fora, insistindo que voltassem noutra ocasião, em dia que ele pudesse recebê-los. Ainda uma vez desculpou-se. Despediram-se.
No carro, o animado de primeira hora calava.
Soraya: Que está sentindo, Zé-Geraldo?
– Sooono.
Joel pediu licença pra ligar baixo o rádio.
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Meio-dia de sábado e sol
