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45 MEIO-DIA DE SÁBADO E SOL. Caras limpas, caras pintadas. Tamborins, pandeiros, baterias. Popurri de sucessos antigos e letras de agora cantados, berrados, deturpados. Pula-pula, rebolados, empolgação. Turistas de filmadoras filmando, doidos pra cair no samba, caindo...Todas as cores, todos os cheiros do carnaval carioca na hora quente, quentíssima.

      Na Praça N.Sra. da Paz avistamos Irema. Esbaldava-se com o seu companheiro de dois metros, despidos de índios, num bloco atacando a marcha de Braguinha-Alberto Ribeiro:

 

Chiquita Bacana

Lá da Martinica

Não usa biquíni

Não usa calção...

 

     A carnavalesca descobriu a gente. Avançou para o carro:

     – Margô! Nestor! Deixem aí de pose, seus secarrões. (vendo Augusto e Andrea atrás): Oi, crianças bonitas!

     Transpirava; o cabelo curto lhe grudava na testa.

     – Tia, um beijo!

     Mal nos disse outras amabilidades, correu para o grupo:

 

Existencialista

Com toda a razão

Só faz o que manda

O seu coração...

 

     Eu: A gordinha nos xingou de quê?

    – De secarrões. Essa Irema! Depois que voltou da Itália está duas vezes mais doida.

    – Nesse ponto, Margarida, até que lhe dou razão. Aguentar aquele casca-grossa do Protásio... Vamos ver se ela para nesse segundo homem.

    – Olha que já é o terceiro. No primeiro momento, quando pôs pra trás o Protásio, ficou aturdida. Que não era mais ela, repetia. Queria contar tudo a ele. Descobriu naqueles dias um tal de Professor Brasilino, e aí acalmou.

        – Brasilino? Conheci um Brasilino na pensão do Catete onde morou Arno no tempo de estudante.

    – É um escuro. Diz que temperamental mas ótimo. Não sai do consultório dele, frequentadíssimo. Irema não dá um passo sem consultá-lo. Vive a me chamar para eu ir lá.

      – Pel'amor de Deus! Onde fica isso?

      – Na Praia Vermelha, numa favelinha nos fundos do Benjamin Constant. 

     O trânsito escoava lento. Na batida cadenciada do ritual, os fiéis prosseguiam à nossa frente carnavalizando Ipanema e o mundo.

     Ao dobrar uma esquina, vimos o Lincoln acenando para um taxi.

 

    Foi Aninha quem veio abrir a porta e se alegrou com a presença dos primos. Tínhamos combinado os adultos um programa para a noite, eles iam a um baile infanto-juvenil à tardinha.

       Jovita apareceu:

      – Que bom terem vindo cedo! O Lincoln esteve aqui, mas não quis ficar pro almoço.

      Margarida: Nós o vimos tentando um táxi.

      – Sobe, Nestor. Arno está lá em cima num dia deste ouvindo música clássica.

    No duplex, meu primo mal me abraçou, indicando com o cachimbo que me sentasse e explicando que era o 2º ato de Tristão e Isolda. Que a cena se passava no jardim do castelo onde se uniam os dois amantes enquanto a corte andava em caçada. Ouvisse aquele dueto de uma beleza extraordinária. Não me apavorasse, desligava antes do fim do ato. Apenas o dueto, ode à noite e ao esquecimento...

      – Tudo bem.

     Findo o trecho, desligou e preparou duas doses de uísque na pequena geladeira camuflada. Passamos para a varanda a conversar amenidades.

        Não demorou, e Jovita nos chamava para o almoço.

      – Tão cedo? reclamou.

      – A empregada está de um mau humor! Quer ir pra folia.

      Depois do almoço:

      – Vamos olhar o carnaval de rua, Margarida?

      – Não me chame duas vezes, Jovita. Sou carioca, adoro.

      E lá se foram ver fantasias, blocos, gente pulando.

      Voltamos à biblioteca.

      – Primo meu, tenho uma conversa séria.

      E antes que eu dissesse palavra:

      – Nestor, eu estou apaixonado.

      – Casada?

      – Não.

    Sentou-se. Silenciara aqueles cinco meses, mas já precisava abrir-se com alguém. E eu, como sempre, era a pessoa.

    – Ah, compreendo agora por que você pouca atenção deu à minha pobre presença.

     – Impressão sua.

    A  empregada  entrou  com  a bandeja do cafezinho. Arno apertou o tabaco no cachimbo, acendeu-o, e cruzando as pernas compridas, calava, esperando que a criatura se fosse.

 

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Meio-dia de sábado e sol

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