Xavier Placer
44 ACABAVAM DE ME LIBERAR a bagagem. Tratávamos de deixar o Aeroporto, quando surgiu o Seroa.
Não se espantou nada com a nossa presença. Seu pensamento parecia vagar longe. Seu rosto parecia o de um tribuno inflamado.
Vinha de um encontro com o presidente do Sindicato de Aeronautas e Aeroviários para o caso de se declararem em greve nacional. Criticou: estas começavam sempre pelo fim, antes de esgotar todas as negociações.
Partiu conosco.
Meus olhos e de Arno ao volante liam as pichações que se repetiam por toda a parte. Nosso amigo falava, falava:
– Diabo! não se chega a nada. (POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO!) Só palavrório, baderna e radicalismo, o presidente do nosso Sindicato (SALÁRIO MÍNIMO JUSTO!) agora desmascarou-se, não passa (ABAIXO O COMUNISMO!) de um bom "pelego" (VIVA A URSS: REFORMAS DE BASE, JÁ!) sim senhor e dos piores (POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE!).
Sozinho atrás, Seroa era um comício, uma revolução que os muros e paredes sublinhavam:
– O Bigorrilho, como se diz agora, age com os interesses da Companhia (OPERÁRIOS E CAMPONESES, AVANTE!) pouco importando a ele e à curriola os da classe. Já empregou (GOVERNO PRA VALER!) um filho e a nora, juízes classistas. Vocês entendam, não estou contra o Jango. As teses dele são certas (UNE UNE UNIDOS!). Mas já deu provas de que não é, não é o homem para a conjuntura. Política, meus amigos, é coisa seríssima. Atrelar-se à linha chinesa do Socialismo. O homem é um populista. Um populista. E eu próprio (baixou a voz) eu sou um idiota – revoltado, quando devia ser revolucionário...
Arno tomou a palavra:
– O que eu penso e disse pro Arézio. O Goulart tem que insistir na campanha de volta ao presidencialismo já, para o qual foi legitimamente eleito num plebiscito ele ganharia fácil. Governaria com plenos poderes realizando sem demagogia o que pudesse, faria o sucessor em eleição e deixaria pro outro a consolidação de um regime social.
– Isso é receita a frio, que no quente da situação nenhum político enxerga, muito menos essa esquerda louca. Meus caros, nesse momento sinto vergonha de ser brasileiro. Não fossem os fundamentalistas de lá, mudava-me para Israel. Sim senhor. Ia, por que não? fazer horticultura vertical num kibutz.
Eu: E você, Arno, embarcou nessa...
– Arno, me desculpe. Torço também pelo melhor.
Seroa: Vamos ver só no que dá essa bagunça!
– Você é implacável, Nestor. Não me atrelei a política partidária nenhuma, não senhor. às favas trabalhistas e outros istas! Conheço meu temperamento. Seria um suicídio. Me entenda, não estou preso a um nobre ponto-de-vista, apenas empenhado, equidistante, numa participação real de mudanças necessárias. Nessa linha faço um pouco de jornalismo.
A acesa conversa durou o tempo de vinda até o Centro. Seroa não cessava de invectivar, agora menos agitado.
Que no estrangeiro era aquilo: a sensacionalista francesa, melhor dizia, a parisiense, nos chamava de o próximo satélite soviético. o Times, na conhecida compostura, que caminhávamos para o caos.
Procurei acalmá-lo com uma brincadeira:
– Tudo exageros, Seroa! A inteligência Artificial vai consertar o mundo.
– Com máquinas, Professor?!
Deixamos o amigo na porta de seu edifício no Flamengo.
De repente, Saloméa que não víramos, debruçou-se à frente da janela do carro:
– Salo! Tudo bem?
– Ótimo encontrar vocês. Por favor! controlem meu irmão. Kim quer salvar o Brasil e o mundo. Estou com medo que qualquer hora o venham prender, já pensou?
Prometemos que tentaríamos acalmar nosso amigo.
– Eu sei que são verdadeiros amigos: Preciso demais de vocês. Por favor! Não posso fazer a menor observação. Me passou pela cabeça sumir com alguns livros dele. mas não me atrevi ainda.
– Tire os mais comprometedores.
Despediu-se. Do Banco, numa folga de expediente, telefonaria pra nós, queridos.
Quando Arno largou:
– Como está! Ela nem viu que estou chegando do estrangeiro...
– Saloméa. Ela sempre me intrigou. Tem um bonito perfil, é perspicaz, um tanto imperiosa mas simpática e até tímida. Não lhe faltam admiradores, D'Aquino é um apaixonado dela, no entanto não se fixa em ninguém.
– Numa conversa me confessou, brincando, que não nasceu para o casamento.
– Ela não te viu. É o clima: paranoia total. Todo mundo a ponto de explodir, ninguém enxergando ninguém.
– Curioso, nunca soube direito das atividades políticas do Seroa.
– Nem eu. Acertamos não contar um ao outro nossos passos pro caso de presos não termos nada a revelar à polícia...
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Teu caminho é o romance
