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41 NUMA DAQUELAS NOITES de Teresópolis, abril ou maio, estávamos a sós nas duas redes da varanda. Os familiares dormiam, o silêncio descia das estrelas numerosas. Na penumbra, faláramos de tudo e nada, eu mais que ele. Atento, Arno tirava do cachimbo lentas baforadas que se misturavam ao vago perfume vindo com o sereno.

          De súbito, quando toquei em letras, animou-se.

         Eu acabava de repetir que não me conformava com a ideia de vê-lo jogar tempo fora em conferências. Concordou. Havia ocupação, ou antes, desocupação mais idiota? Já resolvera, punha ponto final naquilo.

        – Ouço  uma  grande  notícia. Aliás noto que você não é mais aquele ledor insaciável.

       Venho me desfazendo de muita coisa, quero conservar somente o essencial.

           Calmo, passou a expandir-se em confidências.

       – Ah,  Nestor,  como  eu gostaria de ser um tipo bem definido, positivo. Dizem que o Seroa é doidão. Mas repara como se meteu na aviação civil, faz carreira, e pelo menos na aparência, vive realizado. Olha o Sadhoc, que nós consideramos um extravagante. Quis um dia me levar pro negócio rendoso de salina, eu ironizei que não tinha feitio pra salineiro, ele perpetrou mais uma de suas frases e seguiu em frente. E eu, Nestor? Não, não me julgue um ressentido... Pelo menos conscientemente não me afirmo negando os outros e o mundo.

         – Eu  entendo.  Você,  meu primo, podia ser muito mais. Não é escritor porque não quer. Que fez de suas duas tentativas de romance?

           Não respondeu. Desconversou.

         – Vou te mostrar uns versinhos. Sobre a necessidade de Poesia.

           – O quê? Grande notícia.

           Levantou-se e entrou, retornando logo com uns papéis.

       – Saiu de jato, é ainda rascunho. Imaginei um escrito anônimo, a mão, amarrotado na areia, que alguém encontra –

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

         Política, eis  tema  que  só de raro em raro surgia em nossos encontros. Com espanto meu, foi ele quem conduziu a conversa para política.

            – Acho grandíssima retórica qualificar a nossa geração de "geração sacrificada", "geração perdida". Aquela ditadura de bombachas do chamado Estado Novo foi pelo menos quinze anos de nacionalismo...

           – Também acho. O velho Getúlio cometeu o pior erro ao retornar em regime democrático. Tivemos depois o nosso conterrâneo, o "Presidente da bossa nova" a prometer adiantar o Brasil "cinquenta anos em cinco"; Brasília! Agora "o homem da vassoura", Jânio qualquer dia uisquizado faz uma loucura e todos nós pagamos a conta. E os da farda, ninguém ignora, se reunindo, conspirando.

             – Desde sempre. São os tenentes de 18, 24, 30...

           Contei que ouvira do candidato militar na campanha em que Juscelino fora eleito. Entrevistas dos candidatos na ABI em dias seguidos. No dia do General Távora, ele batendo com a mão espalmada no tampo da mesa, declarava que havia na oportunidade dito ao candidato a vice:  – Dr. João Goulart, que os políticos civis tomem juízo, do contrário instala-se no Brasil uma ditadura que vai durar pelo menos vinte anos. Com todas as letras, ouvi.

       Disse Arno que o escritório de seu grupo virara um verdadeiro diretório de partido. Os advogados ali pensavam agora primeiro em política, só depois em processos e arrazoados. O próprio chefe, o Professor Arézio Santiago, da copa e cozinha do vice Goulart, contagiava a turma. Vivia a convidá-lo para colaborar estreitamente. Queria levá-lo à sua presença. O ideal seria um jantar no Sítio Capim Melado de Jango em Jacarepaguá, mas isso no momento nem pensar. Que ia gostar dele, um bom, nada do que propalavam por aí os jornais da oposição sistemática.

              – A Tribuna da Imprensa.

           – Exato.  Arézio  citou-a e ao Lacerda entre palavrões. Jango era um patriota, cheio de propósitos de acertar, fazer o melhor a partir de reformas sociais trabalhistas. Sem maior cultura, verdade, mas intuitivo, traquejado, não lhe faltando habilidade. Nem carisma, como a Vargas, o estadista. O mal dele? Certas proximidades, principalmente o cunhado, um incendiário. Era preciso, vivia a adverti-lo, neutralizar o Brizola. Que ele, Arno, podia ser útil não só ao seu  amigo  mas  ao Brasil.  – Tchê! decide-te, paisano chucro.

            Isso  está  me  parecendo  catequese cerrada pra cima de você.

              – Cerradíssima.  Depois  o  Arézio Santiago, com aquela cabeleira de jurisconsulto emérito, sei lá! balança qualquer resistência.

               – Arno, não me diga que...

          – Nestor,  o  que  aí  está  acontecendo  não me é indiferente. Nem pode ser pra qualquer brasileiro. Sinto que devia participar. Embora, confesso, cheio mais de dúvidas do que de certezas. Temos proletários, não temos proletariado nem verdadeiros sindicatos. Nossos partidos? Como em toda parte, saco de gatos de interesses. Pedir um estadista seria muito, mas...

               – Esse o ponto. No fundo o que não funciona é o homem brasileiro.  Põe mais 500 anos. Pensam duas vezes nesse tal encontro informal do Arézio.

                – Que as coisas sigam seu rumo.

 

             Bastante conversamos ainda dentro da clara escuridade. Observei a ele que o achara naquela noite um tanto melancólico.

        – Agonia  existencial  dos  quarenta.  Vocês, quando embarcam para a América?

             – Não demora. Margarida anda em ativos preparativos.

          Elaborava  ele por  esses dias o seu auto-retrato para a  Nova Revista Brasileira. Perguntei-lhe como andava o escrito.

              – Muito bem, naquele ritmo...

 

Poiesis Poésie Poetry...

 Bela mendiga, anda descalça

 vestida como o rei: nua

 

Órfã de pai, o Poeta

 grotescamente e com dureza

 há muito banido do reino

 

A Poesia, amigo, é necessária?

 Poesia não tem vez

 Devia habitar um duplex

 mora debaixo da ponte

 

Primeira, você diz que

 se alimenta de nova linguagem

 de leveza e rigor.

A Poesia, amigo, é necessária?

 

A POESIA EXISTE POR AÍ DE FAVOR

 

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Teu caminho é o romance

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