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36 QUANDO SE ECLIPSAVA pra Santa Rita, e era em toda oportunidade, longe de relógio, rádio, jornal, Arno fazia higiene mental completa.

       Lá, nas manhãs garimpas de serra, vinham os passeios a cavalo, Jovita, trêmula amazona sob o largo chapéu de palha, Aninha de bonezinho com o pai, segurando no arção da sela.

        Outras vezes saíam a pé, a mulher observadora a indagar nomes de plantas, de pássaros, pelos caminhos e trilhas. E era aquela porção de palavras exóticas aos seus ouvidos: sumaré, gravatá, saíra, gaturamo...

          Pronto seguiam calados, cada qual entregue a reflexões.

      Mas  Aninha  lembrava  as  flores para o avô. Os três, porfiando colher os mais bonitos lírios-do-brejo, juntavam uma braçada e regressavam contentes. Mãe e filha as dispunham num vaso e colocavam na mesa de trabalho de Tio Justo.

        Lembrança de Jovita, uma tarde foram ao túmulo da mãe. Colunatas e anjos, mármores erguidos, Arno a custo localizou o jazigo que a solicitude do pai conservava. Enquanto a mulher rezava junto à filha, ele afastou-se, acaso veria a sepultura de Natan. O céu azulava. Não sentia a menor emoção e indiferente só pensava em voltar. Voltaram meditativos, mas sozinho  à noite na varanda diante da sombra do arvoredo, lágrimas molharam seu rosto.

      Iam também de carro visitar Irmã Letícia que depois de formada em Letras professara nas Mercedárias, em Dois Corações, e então Tio Justo os acompanhava feliz, feliz com a netinha ao colo.

      Porém a citatina Jovita, longe do concreto e do asfalto, desinteressava-se dos modestos programas e dizendo-se cansada deixava-o livre. Entusiasmada com a butique que abrira de sócia com a amiga Saloméa, curtia as horas organizando material do negócio, lendo revistas de modas, folheando catálogos, numa febre de retornar ao Rio ou ajudando por gosto no escritório. Nora e sogro se entendiam à maravilha:

         – Você é das minhas.

         – Tão detalhista como o senhor? Acha

         – Jovita, não zangue, é tanto quanto.

 

    Logo que partiam, ficávamos na expectativa de carta. Chegavam de pronto. Menos de notícias (Arno detestava falar de si), eram aquelas singularidades quase sempre , como:

 

 

                            O FIO

 

 

     ali está, um fio

de textura desprezível. Aliás nem tanto: branqueja,

logo existe.

Sol lá no azul.

Cada coisa em seu lugar

ao calor, à luz.

E de-repente aquela presença. Até sonhei com Jovita

& o Fio, Margarida. Deixe contar –

Ali anoitece, ali amanhece, faça frio ou sol. Apoia-se,

ofídio de olho imóvel, e sente-se em casa. Coisa em si.

Da varanda não se acerta onde começa, onde acaba. Escreve

um contínuo desfiando gráficas catenárias apenas perceptíveis

sobre as copas dos ficus, alheio ao verde. O vento sopra?

Oscila no ar com os ramos...

Veio. Com que fito, ignoro. Serpenteia:

F. de fênix, I. de ictus, O. de ômega.

Arrisco que tenha dentro:

 – ôi, comprido! É um desafio?

Sinalizando o quê? a via pr'a eu me livrar do labirinto?

Nada. Nenhum. Ninguém.

Mas terei, voz de cima e grosso, que rói o discurso,

terei, a gente nunca sabe, interpelado o insólito mensageiro?

Ah, Margarida, ah, primo Nestor! que boa a certeza dos simples.

Uziel:

    Linha 10, Aninha! Com cerol, que os garotos passam

no carretel inteiro pr'a tosar as pipas dos outros. Quer qu'eu

puxe, Dr. Arnóbio?

 

 

 

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A mulher, a filha & os amigos

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