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35 EM TERESÓPOLIS, nas noites de Inverno, gostava zelosamente de acender a lareira. Construíra-a com a maior técnica. Ainda assim (ou por isso) na primeira experiência, aquela fumaçada infernal invadiu a sala.

     Jovita adverti-lhe para que ele ao remexer as brasas não sujasse de cinza o tapete. Nem fosse se queimar.

      Arno  (atiçando a festa de fagulhas):  Pode deixar, eu sei lidar com fogo!

     Quando  se  cansava do que chamava a sua pirolatria, motivava outro passatempo de seu gosto: caçar pérolas.

 

         Agora éramos todos a participar.

         Trazia uma tralha de números de revistas, jornais, folhetos, derramava tudo no tapete. Sentados em círculo nos divertíamos. Sendo que era proibido explicar. Quem não entendesse, consultasse depois o travesseiro.

     Uma batalha. Cada qual porfiava por descobrir a melhor tolice, o mais impudente texto-enganação, a obviedade, a convenção escrita e assinada.

      Na esteira de – amigo é pra essas coisas; cada caso, um caso; a recíproca também é verdadeira; carro? uma segunda família; povão? ora tem lá as suas alegrias, deixá-lo onde está; café não põe ninguém nervoso o que põe nervoso são dívidas; dinheiro não traz felicidade, mas ajuda bastante; os povos anglo-saxões são mais honestos do que os latinos; o Brasil é o país com a maior reserva d'água doce do mundo...

         Margarida:

         Por favor, decifrem esta crítica do Segundo Caderno, de um senhor Duda Pedrosa – Uma palavra, duas palavras a celebrar ou violar o discurso, chance aberta na escritura multicultural, priorizada pela práxis da criatividade desconstrutora, que resgata privilegiadamente ícones, índices e símbolos textualizados à visada de abordagem do utente.

         Seroa: Isso é koiné, gentes.

     Margarida:  E  você,  Kim,  nos trouxe seus doublets carollianos?

    – Cansei provsoriamente desse quebra-cabeças, minha querida.

         O irmão instigava Saloméa: e a mana, não descobre nada?

      Saloméa:  Olhem  o  que  diz esta revista de música – Cientificamente está provado, caros leitores, que os astros em seu incansável giro cósmico pela esfera celeste, concertam uma harmonia de .

         Arno: Última hora, seus maldizentes. Declaro que nem tudo está perdido. Abram os ouvidos –  Voto pela classificação, em primeiríssimo lugar, da lixia ou alixia (Litchi chinensis, Soon) como fruta de paladar fino e delicado.

          Eu, ou outro: O quê? O quê?

       – Mas não é incrível uma bonita frase destas desgarrada num artiguete técnico de fruticultura deste Dr. Ceslau Pitanga?

Jovita: Ah, a minha também é agrícola. Gente, árvores não levam anos pra crescer?

          – Ouçamos! Ouçamos!

       – Está aqui no Carta dos Leitores do JB – Que faz o Sr. Prefeito, governador da cidade, que não planta mudinhas de oitizeiros nas ruas? Excelência, o Verão e sua canícula batem às muralhas da pólis.

          Avançávamos na noite, o sossego grande lá fora.

     Apenas, em todos os primeiros dias de cada estação, invariavelmente, o casal de publicitários interrompia a entregar o jornalzinho da AMAR (Associação dos Moradores Amigos do Retiro). Redigiam, ilustravam-no e duplicavam-no a quatro mãos por prazer e conta própria. Entre notícias, aniversários, metiam uns escritinhos deles. Jornalistas – e jornaleiros – a visita era curta, com desculpas, apressados partiam um atrás do outro.

          Então seguia-se a leitura em voz alta por um de nós.

          – O Gil, neste número, dá uma croniqueta...

         – Lê! Lê!

 

       – ...O Astro-rei brilha! Sob um céu com mais estrelas, um povo liberto é hospitaleiro. Nenhum tornado nem nevascas nem terremotos que fazem do solo uma gelatina.

     O Príncipe  não perde horas com róisroises banquetes mulheres viagens nem caçadas. Dia e noite, ele, os ministros e ministras, pensam todos no bem público.

        As  leis  são  muitas,  no  papel. Se não há crimes nem castigos! As prisões não têm muros. Leves os ofícios, amenos os dias, com o jogo da péla e o bel-canto.  – Prá que esquentar, né? diz o Dr. Macunaíma.

     Vem. Quê  que  você  está  esperando, amizade? Vem pra formosa Pindorama.

 

          Às vezes o Brigadeiro e a mulher estavam presentes.

         Ele calava quase todo o tempo. Observando educado como se fôssemos uma esquadrilha de loucos divertidos, sorria. Ou contava interessantes casos de aeronáutica.

         Ao fim das reuniões, ela desdenhava desabridamente: não entendia que graça podíamos achar naquilo tudo.

         Seroa (grave): Que diz, minha senhora? Há muita "pérola" encrustada nessas "joias".

       – Não  vejo  pérolas  nem joias. E sempre ouvi falar na harmonia das esferas.

          O marido:

          – Oh, que é isso, Clarinda?

         Seroa consertava também com uma amabilidade; e para o amigo militar:

      – Meu  Brigadeiro,  sabe  a  última  palavra  que será proferida no silêncio terminal da esfera?

         O bom Brigadeiro esperava o que viria:

         – Ze...ro!

 

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A mulher, a filha & os amigos

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