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29 COMPROMISSO DE NOIVO, moravam em São Paulo. Veio Arno ao Rio a chamado do chefe do escritório, Arézio Santiago, uns seis meses depois.

      Viagem de trabalho, foi rápida. Passou pela Universidade antes de voltar para São Paulo. Levei-o ao Santos Dumont.

 

        Queixava-se, não lamuriava    mas queixava-se. Duzentos dias de exílio era demais! Em São Paulo tinha a impressão de que estava no estrangeiro. Telefonemas só não bastavam. Queria presenças em carne e osso dos amigos. Perdão! se sentimentalizava.

         – Ninguém esqueceu você, Arno. Então, instalados a gosto?

       – Moramos numa casa dos Rossi em Cidade Jardim. Verde por toda a parte, pouca vizinhança. À direita uma família arredia mas sem nervos, educada até nos churrascos de fundo de quintal. À esquerda um vizinho gordo que gosta de tanger bandolim (só vinte minutos) ao sol, enquanto a mulher –  uma juíza – se debruça em códigos. Tudo muito aprazível. Ah, sim, pago em banco, pontualmente, o aluguel aos velhos. Não queriam, mas acho melhor assim.

      Falei  da  real impressão que me dava: a de exilado e estranhei que na Paulicéia não deparasse com relações que valessem a pena.

          – Quem disse? E o Brutus? Você precisa conhecê-lo.

          – Poeta?

         – Cachorro. Um boxer trigado que encontrei na casa e me espera todas as tardes atrás do portão. Que doçura de bicho, cara de terrorista só para expulsar gatos e espantar rolinhas do seu território. Relacionamo-nos, sim senhor, feito duas pessoas. Pois Brutus tem seus dias de nevoeiro e dias de sol, como nós. De repente some direto, sem compromisso. E volta medalhado com os ferimentos do amor. Cuido dele, sem palavras. Depois dou-lhe um osso.

           – Em todo o caso, vejo que você não perdeu o humor.

           – Não me supunha Nestor, um Adão tão domesticável.

           – Quanto a escrever?

          – Nem vontade nem condições. Me disperso. Escuta esta. Um colega de escritório me conduziu ao salão de certa figura de proa, por sinal teu colega, professor de Direito. Recebia às quintas. Me vi num cenário europeu em meio a uma elite de linguagem rebuscada, boas maneiras e mulheres sábias. O filho da casa era altamente paparicado naquele círculo de adeptos, pois tinha caído num círculo de adeptos. As bonitas mulheres...

           – Estou interessado primeiro no filho da casa.

      – Ligeiramente  adamado,  ruborizava-se  aos elogios femininos. Uma delas me sussurrou que ele era brasileiro nascido em Paris, onde estudara e que sua primeira palavra no berço fora  – Luz! Uma adolescente observou: – Rodrigo não é mesmo um amoreco? A outra: E você, meu bem, não é fútil? Certo havia ali ciumada... Não ligou, acrescentou que eu podia fazer qualquer pergunta, sobre qualquer assunto, resposta na hora.

           – Um robô?

           – Foi o que me ocorreu, e calei.

         Dissertou  em  linha  direta  com linda dicção a francesa sobre utopias do século, o ópio do Marxismo, a degradação dos valores, o primado do espiritual e a certeza promissora, mais que promissora, de uma volta (despejava provas, citações, conversões de intelectuais de renome) a uma nova Idade Média.

           – Ninguém o interrompia?

          – Ímpeto não me faltou. Mas o pai fumava e aquiescia. O amigo me dirigia um sorrizinho ateu de desculpas. E eu relanceava pra ele um olhar de  – partamos!

        – Na primeira pausa, saímos sobre pretexto de visita a pessoa acidentada naquele dia, a anfitriã fez votos de a encontrarmos fora de perigo, e logo na rua o amigo repetia desculpas de tudo. Devo porém ser justo, Nestor. Divertiam-se todos com espírito a até humor, como disse ao meu companheiro. Hitler? Oh, aquilo foi água com açúcar. Socialismo? É um Cristianismo bichado. E por aí...

            – Entendo, comédia a sério.

        – Não voltei para conferir. Gasto as tardes um pouco a buquinar, a Paulicéia tem bons "sebos". Ali observo o leitor noviço que já fui, que quer ler todos os livros, o senhor grisalho que engulha diante dos best-sellers e entre alfarrábios sou o aficionado a teimar na busca do livro ideal que não existe, que não foi escrito nem será nunca. Sim vou ainda a uma ou outra exposição de quadros, mais nada.

           – Você relatoriou bonito mas não me falou da nova vida. A vidinha de casado no dia-a-dia. Nem de Jovita, como vai ela? Que notícias levo pra Margarida?

           – Tudo na mais perfeita ordem. Agora. No começo tentei arrancar minha Jovita à influência dos parentes, inventava idas a teatro, a concertos, logo surgiram aborrecimentos, parei. Semana inteira com os colegas de banca, uns monstros de trabalho. Fim de semana, reúne-se a sacra família Rossi. Lá, encontro os outros filhos com as respectivas esposas e cinco crianças. Os cunhados falam de carros, discutem futebol e aí por causa do Corinthians x Palmeiras dão-se caneladas fraternais: Você é burro, cara! Se eu fosse burro não estava rico!

             – Pel'amor de Deus!

            – Há  o  outro  lado,  os rossinhos em botão. Gostam de mim e eu escapulo com eles pro quarto das crianças. Os meninos ligam logo a tevê, a menina aninha-se nos meus joelhos como uma gatinha, ronrona-me umas perguntas sobre coisas do vídeo. Eles agitam-se diante da corrida de motos. Se fecho os olhos, o mais velho: – Quer que mude de canal, Tio? e sem esperar resposta manipula o controle remoto. São umas horas em que me policio, comportado como um urso doméstico. 

         Do  Aeroporto  ligou  para a mulher. Longamente. E depois:

            – Você me perguntou sobre Jovita. Ah, melhor seria se viesse logo o herdeiro, não é que se diz? Ao viajar, não deixei Jovita bem. Um tanto deprimida. Anda em tratamento. Uma sumidade ginecológica lhe diagnosticou útero infantil. Foi um drama. Veio o tio-padre que nos casou, aquela conversa... Fomos a outra sumidade: estava errado, o caso dela era dos mais simples, questão de tratamento tomado a sério e um pouco de tempo. Voltamos de alma nova.

              – Fico contente em saber.

             – E  é isso aí, Nestor. Problemas e probleminhas. Como diz o francês: há casamentos bons, não os há deliciosos.

 

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Longe de tudo que diminui

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