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28  CHEGOU TARDE da noite a Santa Rita. Tio Justo despedia-se do gerente do Banco do Brasil, mais a mulher e a filha solteirona, antiga amizade. Conhecia, de longe, as vindas inesperadas do filho, não se espantou. Arno, pretextando cansaço, logo se recolheu ao quarto.

 

    Manhã seguinte, ei-lo a andar caminhos de infância e adolescência. Véus brancos de vapor dissipavam-se no verde das encostas. Mas nem o entorno familiar nem os passantes o solicitavam...

     No  centro  daquela  crise,  toda a sua existência se concentrava no momento dramático, capaz de afetar todo o seu futuro, reflexivo, absorto em si, decidido a reformular-se, a buscar seriamente vida nova.

          Quanto tempo malgasto... Que dispersão!

          Meu Deus! quanto tempo jogado fora...

    Quem  era?   Um   jovem   burguês  educado convencionalmente. Nada, nada lhe fora negado. Afinal bacharel, como todo mundo. Senhor de si, embarcado na irresponsabilidade dos amores inconsequentes... E lá se tinham ido anos de seus melhores dias. Mãos vazias.

     Ar do mundo. Prestígios da hora. Que devoração de renomados! Quanto montículo não tomara por himalaias...

           Viagens: horizontes. Livros. Amigos. Amigas.

        Inteira    disponibilidade.    Tumultuário,   tumultuário. Queimava etapas no ímpeto do voo... E preso a uma energia que tantas vezes incomodava os outros, não consentia demorar-se em objeto algum.

       Voltou devagar, sem sentir, cabeça baixa. Da rede da varanda, pingentes d'água no arvoredo eram sóis mirins em seus olhos, e a onda de reflexões espraiava-se dentro dele.

            O que era?

     Completara o seu Direito. Concretizara o sonho da Arquitetura. Nem um nem outra o preenchiam! Escrever, criar, a isto só inspirava. E realizava nada. Deixara-se viver na perseguição de novas sensações, de ideias novas, – um intelectual, um esteta, barco ébrio à deriva.

           O pai surgiu na varanda.

           – Vamos almoçar, filho.

         À mesa, depois de breve silêncio, perguntou-lhe o que se passava. Arno abriu-se francamente. Chegou a acusar-se de ter sempre assistido tão pouco o pai em seus negócios. Tio Justo ouvia.

         – Você  vai  a  caminho  dos  trinta. Por que não trata de casar?

           Arno voltou para o Rio no outro dias.

 

        Arno escreveu a Jovita uma imensa carta penitente. Não recebeu resposta. Então embarcou para São Paulo, encontraram-se às escondidas no Hotel e entre lágrimas e beijos acabaram noivos.

        Noivado  sem  festa.  Tenente  Protásio,  em  contínua guerrilha, não se conformava. Vivia a repetir – ufanava-se de ser grosso mesmo – que aquele casamento não durava um ano. Um ano! Durasse seis meses seria um milagre. Para ele, que vestira a camisa verde de integralista, todo mundo era criptocomunista.

           – Esse seu noivo é um bom "vermelho".

          Jovita (timidamente): Horror, Tio! O Sr. julga sempre mal as pessoas. E todo mundo é comunista.

           – Pois olha, minha querida afilhada e sobrinha, raramente erro.

          Casamento  afinal  com  separação  de bens. O religioso numa quinta-feira, na igreja de Santa Efigênia, em São Paulo, presentes Tio Justo e Letícia.

         A  noiva   –  aniversariante  naquele  16  de  janeiro – viçosa e corada, era uma presença de flor rara. Exatamente a rosa de Saron da fala do tio-padre. Aquela hora era a sua hora, levitava entre sedas e tule.

         O  noivo,  cônscio da circunstância, deixava-se envolver, vivia o momento. Não ofuscava a noiva, mas sua estampa de homem desempenado, atraía olhares. Em suma, impecável no jaquetão preto, cravo branco à lapela.

    Monsenhor Toledo deslocara-se do interior paulista especialmente para ser o orador. Irmão de D. Mariana, oferecia esse presente à sobrinha apesar de atarefadíssimo.

 

            Na imprensa, com foto:    

 

                             CASAMENTO DE ESTILO

            Empresário casa filha e leva mil convidados à igreja

 

 

 Com muita  pompa e circunstância. Assim transcorreu a cerimônia de casamento de Jovita de Toledo Rossi (22), dileta filha do empresário Pascoal Rossi – Mariana Toledo Rossi, com o advogado Arnóbio Franco de Melo (28), do Fórum do Rio de Janeiro, filho do industrial mineiro Justo de Melo, realizada ontem na igreja de Santa Efigênia.

   Mas de  mil  compareceram  e entre as renomadas personalidades estavam presentes o Sr. Prefeito e Sra., bem como representantes do círculo de negócios, da política, da farda e das letras.

 

    A noiva chegou num Opel preto e mantendo a tradição com 20 minutos de atraso, ato marcado para 19 h 30 mim. Seu vestido foi confeccionado em tafetá de seda branca, bordado com pérolas. O adorno da cabeça prendia um véu de tule discretíssimo. Modelo assinado pelo estilista Reginaldo.

    Jovita entrou na igreja ao som da Marcha Nupcial de Mendelssohn. Celebrou o enlace o Bispo-Aux. Dom Toledo, tio da noiva. A recepção realizou-se no Regina Palace. Parte o feliz casal em vilegiatura pela Europa.

Boa Viagem!

 

         Europa, Paris, Egito.

      Acabavam de voltar da excursão às pirâmides, haviam se sentado no hall do Hotel. Arno pensava nos frios monumentos de pedra e seus labirintos, sentia-se mesmo deprimido com aquele passado milenar, morto e enterrado. Lembrava-se dos ingleses colonizadores usando múmias como combustível ótimo para seus navios e quedava alheio. Jovita tendo visto e tocado uma arte e seus relicários que conhecia e admirava em livros, estava contente e realizada. Desatara o nó do presente de núpcias que o marido lhe oferecera e examinava-o: pequena "cabeça" da bela rainha Nefertite, peça de uns trinta centímetros machetada em marmorezinhos coloridos.

         De repente:

     – Querido, gostaria tanto de rever aqueles tempos em Washington quando fiz ali meu mestrado de inglês!

      – Vamos.  Amanhã  mesmo.  É uma alegria satisfazer o primeiro capricho de minha querida.

     Chegados aos Estados Unidos ela desejou logo visitar a Universidade, rever seu professor, um poliglota.

        Retirando do cabide um blusão de couro, foram encontrá-lo no Laboratório de Línguas onde uma maquininha inteligente modulava quase humana:

 

         The sky is blue! Is the sky blue? Yes, the sky is blue.

        Foi uma festa entre discípula e mestre. Este, um português de sotaque:

         – Senhor Arnóbio, eis aluna mais destacada em sua turma.

        Mas  estava  de  partida, desculpassem. Ia ao lançamento dos novos modelos de automóveis do ano.

         – Fique à vontade! disse Arno.

    – Claro,  professor.  Nós  só vimos pelo prazer de cumprimentá-lo.

       Parecia  excitado,  convidou-os  a  acompanhá-lo se não tinham programa, conversariam a caminho.

        Foram com ele à expô. Meia hora depois, perderam-se de vista na multidão e, antes de se perderem eles-próprios, deixaram o recinto.

        Jovita: Você vê? Não parece uma catedral iluminada? Na Terra de Tio Sam é tudo em escala grande, não é mesmo?

           – Grandíssima. Mas me deu uma fome... Vamos jantar?

          Noutro dia de tarde, em Nova York, miravam a cidade e o rio do terraço do Empire State.

 

 

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Longe de tudo que diminui

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