Xavier Placer
23 NEM DE PROPÓSITO. Mal de novo no Rio e no escritório que os amigos iam levando, ao sair uma tarde encontra-se com o Sadhoc na rua.
Estava cheio de teorias novas de Economia em que se formara, o velho árabe de poucas letras mas atilado em produção e comércio de sal (era o pai!) desentendera-se no momento com ele, achava-o um "sem cabeça", ah! a tempestade havia de acalmar.
Notava-o mais agitado que de costume. Que se passava com Sadhoc?
– Você não acha que o velho se acalma?
– Sem dúvida, companheiro. Embora eu ignore o que acontece.
Longamente conversaram sobre o passado num bar. Quando as muitas luzes começaram a acender-se, Sadhoc pediu hospedagem ao amigo.
Arno: Ah, você com essa mala e guarda-chuva me intrigou desde logo.
No apartamento de Copacabana, Sadhoc afinal abriu-se. Tinha um "caso" com a mulher de salineiro. Um furacão, desejosa de "gozar a vida antes que os homens deixassem de me olhar" repetia. Todo mundo em Cabo Frio, o dono inclusive, sabia. Tomavam chope juntos, o homem era viciado em pássaros, repetia-lhe as imitações humanas dos seus mainás, e, de repente... De repente, entende? tomara-se de razões, espalhando que o ia matar. Dera no pé, às pressas, feito um criminoso.
Arno: Fica. Quando o tempo anaimar, você volta.
– O caso é sério, e muito.
– Vai espairecer até a Índia, Sadhoc. Trás de lá um gaiolão de mainás, e tudo se acomoda.
– Sabe que isso me passou pela cabeça quando andava às tontas por aí não querendo ir pra solidão de um hotel? e riu.
– Você, felizardo, que faz?
Arno confessou que ainda não acertara o passo.
– Compreende-se. Podemos, se você resolver arregaçar as mangas comigo, virar os reis do sal no Brasil, meu querido. Nada menos.
– Me libera. Não tenho bossa pra salineiro.
– Compreende-se. É lógico e natural. Sei que você, no fundo, está rindo da minha escapada dos lagos. Paciência. Vamos dormir!
Quatro, cinco dias depois partia. Telegrama de Sadhoc pai comunicava ao filho que o homem dos mainás tivera segundo ataque de loucura, fora internado. Maktub!
Neste estado de meia disponibilidade, vi Arno iniciar-se no society.
Gravata borboleta, vivia na alta roda, no Maximo's, íntimo de empresários, executivos, deputados, banqueiros. Quando o pensava no Rio e ligava para o escritório, viajara a São Paulo para uma Bienal; fins-de-semana dava grandes passeios de iate pela Guanabara, velejando esportivamente com um adido cultural ou ia-se de helicóptero para a Região dos lagos.
Minha mulher, curiosa daquele mundo, ligava para saber das novidades, intérminas conversas entre os dois. As notas sociais punham o brilhante advogado em evidência. ali filho de político e industrial mineiro.
– Sim senhor, viraste hoje um colunável neste Rio de Janeiro.
– Pode me rotular de esnobe. Me divirto, Nestor.
– Naturalmente com elas...
– Oh, não atira pedras nas socialaites. Nem todas cheiram cocaína. Aliás em mulher nenhuma. Estão todas pr'além do Bem e do Mal.
– Me intriga é pensar que você aguenta esse lé-com-lé.
– Te garanto: não são mais loucas do que as do cré-com-cré. Apenas concretizam o imaginário que as pequenas-burguesas, coitadas!, sonham e recalcam. Só isso. Questão de conta no Banco.
– E a filha ou mulher, sei lá! do capitão-de-indústria? Continua a tingir de verde os cabelos?
– Aquilo foi um erro, outros dizem que vingança por ciumadas do cabeleireiro da Eleninha Castro e Sá. Ah! não pára de jurar que sou um homem interessante. Ontem me propunha fugirmos para o Chile.
– Pro Chile?
– Pra Santiago do Chile. E você sabe, Nestor, que quase topei?
– O quê?
– O marido anda, o insaciável Castro e Sá, agora teimando comigo mais outro companheiro fazer-nos deputados federais na próxima eleição. Detesta Vargas, acredita que pode cair a qualquer hora...
Não foi para o Chile, Santiago ou Valparaiso. Com forte gripe de que não se curava, Arno veio tratar-se em nossa casa.
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Bacharel em Direito
