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23 NEM DE PROPÓSITO. Mal de novo no Rio e no escritório que os amigos iam levando, ao sair uma tarde encontra-se com o Sadhoc na rua.

     Estava  cheio  de teorias novas de Economia em que se formara, o velho árabe de poucas letras mas atilado em produção e comércio de sal (era o pai!) desentendera-se no momento com ele, achava-o um "sem cabeça", ah! a tempestade havia de acalmar.

 

     Notava-o   mais   agitado  que de costume.  Que  se passava com Sadhoc?

        – Você não acha que o velho se acalma?

    – Sem  dúvida, companheiro. Embora eu ignore o que acontece.

     Longamente  conversaram  sobre  o  passado num bar. Quando as muitas luzes começaram a acender-se, Sadhoc pediu hospedagem ao amigo.

       Arno: Ah, você com essa mala e guarda-chuva me intrigou desde logo.

      No  apartamento de Copacabana, Sadhoc afinal abriu-se. Tinha um "caso" com a mulher de salineiro. Um furacão, desejosa de "gozar a vida antes que os homens deixassem de me olhar" repetia. Todo mundo em Cabo Frio, o dono inclusive, sabia. Tomavam chope juntos, o homem era viciado em pássaros, repetia-lhe as imitações humanas dos seus mainás, e, de repente... De repente, entende? tomara-se de razões, espalhando que o ia matar. Dera no pé, às pressas, feito um criminoso.

Arno: Fica. Quando o tempo anaimar, você volta.

         – O caso é sério, e muito.

        – Vai espairecer até a Índia, Sadhoc. Trás de lá um gaiolão de mainás, e tudo se acomoda.

       – Sabe que isso me passou pela cabeça quando andava às tontas por aí não querendo ir pra solidão de um hotel? e riu.

         – Você, felizardo, que faz?

         Arno confessou que ainda não acertara o passo.

        – Compreende-se. Podemos, se você resolver arregaçar as mangas comigo, virar os reis do sal no Brasil, meu querido. Nada menos.

         – Me libera. Não tenho bossa pra salineiro.

      – Compreende-se.  É  lógico e natural. Sei que você, no fundo, está rindo da minha escapada dos lagos. Paciência. Vamos dormir!

        Quatro, cinco dias depois partia. Telegrama de Sadhoc pai comunicava ao filho que o homem dos mainás tivera segundo ataque de loucura, fora internado. Maktub!

 

        Neste estado de meia disponibilidade, vi Arno iniciar-se no society.

        Gravata borboleta, vivia na alta roda, no Maximo's, íntimo de empresários, executivos, deputados, banqueiros. Quando o pensava no Rio e ligava para o escritório, viajara a São Paulo para uma Bienal; fins-de-semana dava grandes passeios de iate pela Guanabara, velejando esportivamente com um adido cultural ou ia-se de helicóptero para a Região dos lagos.

       Minha mulher, curiosa daquele mundo, ligava para saber das novidades, intérminas conversas entre os dois. As notas sociais punham o brilhante advogado em evidência. ali filho de político e industrial mineiro.

     – Sim  senhor,  viraste hoje um  colunável  neste Rio de Janeiro.

        – Pode me rotular de esnobe. Me divirto, Nestor.

        – Naturalmente com elas...

      – Oh, não atira pedras nas socialaites. Nem todas cheiram cocaína. Aliás em mulher nenhuma. Estão todas pr'além do Bem e do Mal.

        – Me intriga é pensar que você aguenta esse lé-com-lé.

        – Te  garanto:  não  são  mais loucas do que as do cré-com-cré. Apenas concretizam o imaginário que as pequenas-burguesas, coitadas!, sonham e recalcam. Só isso. Questão de conta no Banco.

     – E  a  filha  ou  mulher, sei lá! do capitão-de-indústria? Continua a tingir de verde os cabelos?

     –  Aquilo  foi  um  erro, outros dizem que vingança por ciumadas do cabeleireiro da Eleninha Castro e Sá. Ah! não pára de jurar que sou um homem interessante. Ontem me propunha fugirmos para o Chile.

        – Pro Chile?

     – Pra Santiago do Chile. E você sabe, Nestor, que quase topei?

        – O quê?

       – O marido anda, o insaciável Castro e Sá, agora teimando comigo mais outro companheiro fazer-nos deputados federais na próxima eleição. Detesta  Vargas, acredita que pode cair a qualquer hora...

       Não  foi  para  o Chile, Santiago ou Valparaiso. Com forte gripe de que não se curava, Arno veio tratar-se em nossa casa.

 

 

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Bacharel em Direito

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