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22 BACHAREL EM DIREITO. O moço Arnóbio morava agora num décimo andar de Copacabana. Frequentava a praia pela manhã, vinha para a cidade, onde almoçava e seguia para o escritório. No entusiasmo de recém-formado, ele mais dois colegas haviam instalado um escritoriozinho...

    – Então, Arno, muito arrazoado, prazos, audiências e cartórios? eu lhe perguntava em nossos agora espaçados encontros.

     – Tantos, que dá pra ler meus autores durante o longo expediente.

    Que fazer? Prestar concurso para o ministério público? Imaginava-se de borla e capelo. Dr Juiz Arnóbio Franco de Melo. Casado depois com filha de magistrado...

   Colegas de Faculdade candidatavam-se ao Itamaraty. Insistiam, ele com aquele gosto para línguas, estava lá dentro. Arno argumentava: Viver no estrangeiro, amigos? De começo, tudo bem, muito interessante, mas com o tempo seria desenraizar-se. Não, não era com ele.

        O pai queixava-se que o abandonava e à irmã no mato.

      Passou  a  ir  a  Santa Rita. Tio Justo contemplava o seu bacharel e lhe dizia que não esquecesse de enfiar no dedo o anel para comprar selos ou pedir moça em casamento: sentia-se realizado no filho.

      Diante  de  tanta  satisfação  mais as atenções da irmã, decidiu ficar-se.

 

        Ocupava as manhãs no escritório do pai. Com carta branca de Tio Justo e alguma resistência dos funcionários, renovou procedimentos, dava instruções práticas, aposentou velhas máquinas de escrever por elétricas.

      Aos domingos, Letícia muito aproximada das Mercedárias, levava-a de carro ao convento, ele próprio e Tio Justo assistiam à missa. Acabou relacionando-se com as freiras, corrigindo a pedido umas traduções do espanhol.

      Longas  conversas  dos  três  à noite. A irmã desejava conhecer a Argentina, iria com Miriam, a antiga colega na Tijuca. Arno concordava com a ideia, dizia que visitaria ali um escritor de sua admiração, Jorge Luís Borges.

          – Podemos alongar e ir até o Paraguai...

       Arno: Já ganhamos a guerra do Paraguai, que queremos mais?

         Letícia: Há o túmulo de Solano Lopez, morto pelo soldado Chico Diabo, eu gostaria de ver o monumento nacional.

          Tanto,  tanto  falaram  na  viagem, fizeram tantos planos, que tudo acabou em nada.

      Mas quando estada ali e conversas caíram na rotina e saudades do Rio apertaram, só pensava em raspar-se de Santa Rita. Veio, e pouco depois partia para Buenos Aires.

 

         Indagou do gerente do Hotel onde naquela Buenos Aires de tanta livraria podia encontrar o escritor Jorge Luís Borges. O homem ocupadíssimo despachou-o sugerindo que o buscasse pelas duas ou três lojas de la Calle Florida.

       Sentado num largo banco, reconheceu-o contra o fundo de enciclopédias e dicionários. O Mestre abria à espátula com o maior amor uma brochura. Diante do espanhol do recém-chegado perguntou-lhe de que província era, convidou-o a sentar-se.

       Declarando não ser jornalista mas um admirador vindo do Brasil só para conhecê-lo, pediu permissão para fazer – não era entrevista – umas perguntas nascidas da curiosidade.

         Borges aquiesceu.

     Então Arno questionou, para começar, se ele tinha uma estética definida.

     – Una estética. No, no soy poseedor de una estética. El tiempo me ha enseñado algunas astucias.

         – ¿Astucias?

        – Sí, no son otra cosa. Preferir las palabras habituales a las asombrosas, intercalar en un relato rasgos circunstanciales exigidos ahora por el lector, simular pequeñas incertidumbres, narrar los hechos como si no los entendiera del todo. Y no olvidar todo el tiempo que el Universo es insondable, misterioso, fantástico. Tales astucias o hábitos no configuram ciertamente una estética. Por lo demás, descreo de las estéticas.

     Enquanto  conversavam,  uma  e  logo  outra pessoa, rondando as bancas de livros, respeitosamente acenavam para Borges.

      Perguntou-lhe  se  era  frequentador  diário da Casa. O escritor explicou que de fato sentia necessidade de um giro diário, só não o fazia nos dias de chuva ou quando tinha à mão qualquer trabalho. Depois de breve silêncio, recordou com certa emoção a mocidade e seu fervor por Buenos Aires:

        – En aquel tiempo, buscaba los atardeceres, los arrabaldes y la desdicha. Ahora, las mañanas, el centro y la serenidad...

        Declarando-se admirador antigo de sua obra poética, Arno recitou em português aquele soneto sobre o mar, dando ênfase aos dois versos:

Antes que o tempo se acunhara em dias

O mar, o sempre mar, já estava e era.

   O escritor bateu-lhe no joelho, cumprimentando-o graciosamente que havia tido que esperar vinte anos para receber tal homenagem.

           Acrescentou:

        – Sí,  sí.  Es  un  dístico  feliz. La poesía no es menos misteriosa que los otros elementos del orbe. Tal ó cual verso afortunado no pude envanecer-nos, porque es don del Azar ó del Espírito. Es fortuito la circunstancia de que uno sea el lector, el otro el redactor.

        Houve uma pausa. Pensou que ele ia falar alguma coisa, esperou.

           – Solo los errores son nuestros.

      Meia hora depois, temendo estar sempre demais, Arno resolveu despedir-se. Acudiu-lhe de repente uma ideia e falou:

           – Me gustaria una palabra-guia de Jorge Luís Borges.

           – ¡Un consejo! e o Mestre agitou vagamente a mão.

        Não,  não  tinha  nenhuma autoridade para isso. E que podia com honestidade propor a um moço inteligente numa era de materialismo dialético, nazismo e outros ismos? Arno observou que a autoridade dele era grande.

        – Bueno, mi joven poeta. Crea usted en lo que escribe. Principalmente insatisfación, mucha insatisfación y ningun dogmatismo.

            Arno: ¿Sin abolir espejos, laberintos, espadas ni cabala?

       – ¡Hacen  falta, sí, sí!  respondeu  Borges  afetando seriedade.

        Com  o  autógrafo  do  escritor no voluminho – Obra Poética – e afetuoso abraço borgeano, Arno partiu realizado.

 

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Bacharel em Direito

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