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9 – NINGUÉM QUER SABER de poesia! desabafou. Vou pra prosa.

      – Prosa é mais compreensível, e aceita.

     – Você vai ver, Nestor, todo mundo gostando. Bolei publicar uns retratos de gente viva, gozarei certas figurinhas por aí.

      No primeiro sábado apareceu –

 

 

C A R A S

     Nas festinhas não olham para nada, para ninguém. Não provam doces nem salgadinhos. Olho só no fotógrafo que, de máquina no peito, inocente, se mexe entre roupas novas e penteados.

        Gente, eu descobri, de certeza, as caras que gostam imenso de ser fotografadas. É daquele que feito o incendiário do filme se coloca na área estratégica. É daquele que tem um sorrisinho sempre engatilhado.

        Mas  olha  só!  a  tal  cara  não  escancara a toa a arma branca dos trinta e dois dentes. Genial. Isso fica para a hora inteligente do clique, hora do passarinho.

         Fotogênicas? Vezes sim, vezes não.

      Você  aí da festinha, quando vir uns lábios que se abrem um nada não vá nessa, essa é a cara que gosta imenso de ser fotografada. De certeza.

 

 

       Professor João Manoel! Professor João Manoel! identificaram todos.

       O  jovem  mestre  tornara-se  famoso  no ginásio por aquilo que, mal comparando, era um assédio. Não podia ver máquina fotográfica, não resistia. Nas solenidades escolares, festividades, competições esportivas, ao esboço do menor "instantâneo", alerta como um esquilo, abria caminho, jeitosamente se posicionando no olho da objetiva.  Na D"LUKAS, na vitrina de fora, entre pequenas fotos brilhava testa lisa, sorridente, numa ampliação 19x14.

       Segunda de-manhã Arno previa um mau momento. Ouviu no corredor a voz do Professor, entrou por uma sala vazia deslizando direto pelo corrimão para o térreo. Bateu de cara com ele!

       – Você tem talento, menino. De certeza.

       Arno (ressabiado): Obrigado, Professor! Obrigado. O senhor leu?

        – Li.   Você   fixou  a  talho  de  foice  a  velha  e  conhecida fotomania do nosso Professor Lagos. Mão no ombro de Arno, prosseguiu pelo pátio, ele aliviado e contente com a aprovação do mestre. Este mostrava-se exageradamente eufórico:

     – Sabe  da  novidade?  Vou  deixá-los!  Minha esperada nomeação do concurso na UNI-CAMP saiu. Dentro de quinze dias estou em São Paulo, membro do Departamento de Letras, lecionando. De certeza.

       – Parabéns, Professor, vamos sentir sua falta. Não esqueça da gente.

        – Ninguém esquece jamais a aldeia natal...

   Com o título – KARI-KATURRAS – passou a glosar semanalmente figuras locais. E as palmas agora multiplicavam-se. Pôs o Lino na berlinda um domingo. Seu gosto pela Mitologia, o exibicionismo dele e umas rimas em ino flagrantemente o retratavam.

        Paguei eu por tabela.

        Como elogiavam minha voz de natural empostada – Arrisca! Arrisca!, Nestor! – a sogra do diabo me tentou, fui cantar num programa de calouros da Rádio.

      Não estaria tão nervoso. Mal abro a boca com o samba de minha predileção naqueles dias, Vitória:

Antes da vitória

não se deve cantar glória...

o Lino me gonga, tripudiando que não devia mesmo cantar de galo, o esperançoso rei de Pilos voltasse outra vez para de novo assaltar Tróia com Nonô e Noel.

 

     Durante algum tempo a colaboração do pequeno prosador espremeu-se em retângulos de fios finos de permeio a anúncios no semanário de seis folhas.

   Ana Lídia, mãos zelosas, colecionava os números d'O Santarritense nos quais comparecia o seu menino. A cada saída queria saber o que eu achava, e ao meu opinar de que pra meninote de sua idade me pareciam acima da bitola, sorria gratificada no seu corujismo.

       Este meu futuro bacharel promete! ironizava o pai.

      Quanto  a  Arno,  aos  poucos  foi  se  desinteressando  de publicar.

     Encontramos por acaso o Vigário na praça. Vinha de faixa vermelha que o fazia ainda mais esguio e ligeiro: fora elevado a monsenhor naqueles dias e andava eufórico com as homenagens.

        – Você não nos brinda mais com suas produções, Arninho?

        – A fonte secou, Monsenhor.

       Esclareci  que  o  nosso  escritorzinho  aprendera  a  fazer sonetos com o Professor João Manoel. Publicara aqueles três, passara a outros escritos e agora se desinteressara quase inteiramente.

       Monsenhor: Oh, o soneto é uma nobre e consagrada forma. Faço-lhes uma pequena confissão. Sabem que nos bons tempos de "formigão" também sonetei?

        Arninho arregalou os olhos de espanto:

        – É mesmo, Monsenhor?

       Sim, e recitara-os em mais de uma festividade... Um deles, modéstia à parte, fizera sucesso: O Alambique, cujo final, muito apreciado, fechava a chave de ouro rimando com falsa glória:

... tudo é escória

e só o espírito fica e vivifica!

       Arninho:  Realmente.  Pois pra mim, acabou. Tenho mais é que pensar na minha querida arquitetura.

     Monsenhor exaltou a arquitetura, rendosa profissão hoje. Seguisse a natural inclinação.

      Dali  a  dias – 6 de outubro – aniversário de seus catorze anos, apareceu na Arca à hora do parabéns e, para júbilo do aniversariante, com o De Architetura de Vitrúvio numa edição em espanhol. Caprichando na caligrafia, escreveu:

 

Ao mui inteligente e amado

          ARNINHO,

com grandes esperanças, of.

     Mons. Josafá Brasil.

 

       Ana Lídia  disse uma palavra elogiosa à sua letra, que não conhecia.

        – E olhem!  É  a  primeira  vez  que  me assino com o novo título.

        Tio Justo: Aliás muito merecido e honroso para Santa Rita.

    Monsenhor  Josafá  Brasil  modestamente  tirou  um salgadinho.

 

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Beirava os doze anos

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