Xavier Placer
6 NÃO SE MATOU. Uma tarde, cavaleiro e cavalo sumiram. Na direção de Itaiuba? De Dois Corações? Empregados saíram em campo. Quando, às oito da noite, com chuvisco e neblina, os que haviam apostado em Itaiuba voltaram sem notícias, encontraram o fujão em casa.
Contava o peão Zacarias, ofegante e vitorioso:
– Topei o menino e o cavalo na farmácia de Seo Onofre. Povo assim (juntava os dedos), pesar da aruega. Seo Jorge Vereador tinha encontrado ele na Bacia do Inácio de testa sangrando e Pistão pastando por ali.
Ana Lídia: E você não o trouxe, Zacarias?
– Don'Ana...
Soou um buzinar escandaloso no pátio. Era o jovem político, enteado do farmacêutico no forde vermelho com que circulava pra lá pra cá, ruidoso, presente em toda parte, todas as horas.
E eis Arninho, conduzido para dentro de casa, cabelos tosados, a cabeça enrodilhada de gaze feito uma auréola, a mãe segurando a mão, o acidentado repetindo tranquilo na cadeira que fora só um susto, que não sentia nada, nada.
Mãe Jovelina trouxe um copo d'água, insistia que ela tomasse um golinho só, enquanto Ana Lídia lhe fazia perguntas. Prático, Tio Justo despachou logo o chofer Uziel a buscar um médico na clínica do Dr. D'Ângelis de passo que o implacável Jorge Vereador empurrando o herói para o limbo, usurpando função de profissional, crescia em cena.
Sem medir palavras, Jorge Vereador afirmava ao chefe político e à sua distinta senhora que provavelmente o menino fora arrastado uns bons duzentos metros preso no estribo. Mas ele fizera minucioso exame e graças a Deus! não houvera traumatismo craniano, o perigo era a infecção, por isso a conselho dele Onofre já prevenira com um antitetânico, deviam contudo vigiar a temperatura, qualquer alteração logo, por favor! o avisassem. Claro, não era do metiê, mas com todo o respeito ao Dr. D'Ângelis, estava ali pronto pra colaborar com os amigos.
Tapinhas no ombro, louvava a calma do nosso Arninho:
– Então, meu rapaz, você queria se matar? Não pensou aí em sua querida mamãe e em seu bom papai?
Ana Lídia olhava-o agradecida. Tio Justo viu logo tratar-se de um tombo a toa. Não gostava nada do correligionário e considerava a cobrança que o jovem político lhe faria nas barganhas do partido.
Chegou de jaleco a médica de plantão na Clínica.
Dr. D'Ângelis não pudera vir, enviava desculpas. E passou a examinar a cabeça enfaixada do fujão. Enquanto Jorge Vereador informava como procedera. Transparecia no rosto da profissional compenetrada o desagrado, a clara decepção, pois não havia nada a fazer. Após comentar sobre sequelas de tais acidentes, achou-se na obrigação de receitar qualquer coisa.
– Isto vai ajudar na assepsia da cicatrização.
Voltando-se para Jorge Vereador, com indiferença:
– Como vai?
– Eu, ótimo. E a prezada Doutora?
Bem podia dizer nosso edil que ia ótimo. Não esperava que a cadeira de deputado a que aspirava – "para servir à minha gente em Belo Horizonte", lhe caísse do céu.
Ativíssimo, mantinha em Santa Rita numa saleta (de empréstimo) um bazar de pechinchas que arrebanhava na região; dia de São Jorge (contribuição do comércio) distribua cocadas à criançada; e pelo Natal, vestido de Papai Noel, do alto do forde vermelho, brinquedos e camisetas com seu retrato. Para os outros enviava (pelo correio da Câmara) mensagens cristãs com votos de alegria total do Jorge Vereador, candidato democrático a deputado (conto com vocês!) ano que vem. E no aniversário da cidade dava um gordo café-da-manhã na praça embandeirada e música.
Partia a Doutora.
O implacável:
– Faz tempo não tenho a dita de pôr os olhos no prestimoso amigo Dr. D'Ângelis. Vou fazer uma visita a ele de surpresa e ver como vão as obras de ampliação da Clínica. É um progressista!
– Realmente. Ela tirou um cigarro da carteira, mal o levava aos lábios, acorreu prestimoso com o fogo do isqueiro.
– Obrigada.
Ouvimos nosso Jorge propor à de branco montarem de parceria um consultoriozinho, iniciativa de não tomar tanto tempo, para atendimento gratuito "aos nossos pobres". Um modo de a Doutora ir pondo o pé na carreira política, se isso lhe agradava. Aliás política era missão, mas de repente estava eleita prefeita do bom povo de Santa Rita.
Ela murmurou qualquer coisa sobre o perigo de escândalos com políticos.
– Oh! esses ocasionais acidentes não destroem, promovem.
A distante, que não ligava a mínima pra ninguém, arregalava agora quatro olhos.
– Vamos conversar sobre isso. Belo projeto, Jorge.
– Eu sabia que...
Lá se foram.
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Era o temperamento da mãe
