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4  NO QUARTO DE BRINCAR, Arninho, seu querido, galgava logo o colo da mulata, acomodava-se na turgência de seu regaço. Seus grossos braços, enlaçando-o, eram quentura e segurança.

     Mãe Jovelina desfiava causos e causos, de saci, de figueira onde os escravo eram amarrado e judiado, da arca de libras estrelinhas enterrada na Fazenda e qui o falecido avô deles - Deus tivesse! – mandô escavucá a toa, mas um dia diz-qui ia se achá o tesoro. Dona Teresa – Deus tivesse! – é qui nem creditava. Eles se alembrava da avó?"

    Arninho: Me lembro. Vó Teresa passava a mão na minha cabeça e dizia: – Que menino crescido que você está, meu netinho!

       – Ela  era  muito  caridosa.  Não havia esse qui num gostassi de Dona Teresa, qui Deus tenha! Quando morreo, três dia depois os pombo entraro na casa na procura dela.

     Voltava às estórias. Todas di verdade, quem contava era o padrasto dela, um cativo - Deus tivesse! - qui tinha morrido di cem ano...Era mestre carapina.

       O  menino  repetia  baixo:  ca-ra-pi-na.  Logo queria saber o que era carapina. Mãe Jovelina explicava na sua fala descaroçada de consoantes. Estória puxa estória, as conversas encompridavam-se.

      Uziel era o seu filho mais carinhoso. O patrão dele lá no Rio de Janeiro tinha pelejado com ele pra estudá, mas a mania de Uzielzinho era dirigi carro. Aí no Exerço tirô carta di chofé.

       – O quê qui meu fio vai sê quando fô home feito?

       – Eu vou ser arquiteto, Mãe Jovelina.

       – Arquiteto? Quê qu'é isso?

       – Nem queira saber, uma coisa muito bonita.

      Letícia: É um doutor que faz casas, Mãe Jovelina. Mas papai quer que ele seja advogado. Eu vou ser pianista.

       O irmão saltava do colo da mulata.

       Advogado, é? E você vai ser o quê? quituteira - e pegava-lhe um tapa.

  Chorando, a irmã revidava. Havia um começo de engalfinhamento, que Jovelina acalmava. E sentenciava para as duas crianças qui elas devia de obedecê direito ao pai e à mãe.

       Letícia: a Espanha é muito bonita, Mãe Jovelina?

      Bonita mesmo. Só qui lá num tem bananêra nem sabiá. Inté qui tem muito parrêra di uva, pé de azeitona i árvre qui dá castanha.

       – Vó Isabel?

    Jovelina voltava às recordações e elogiava Dominguinhos, queixando-se de Ramónzito, que a xingava de llorona e dava beliscões nela. Não poupava elogios à madrinha de crisma qui nos domingo ia na missa com ela, Aninha e os menino. O avô não. Dom Francisco ficava esperando na praça mais Dom Diego e o sr. Gumercindo. Mas quando ela recebeu o santo-crisma do batismo aí entrô na igreja com os dois amigo e depois em casa deu pra ela aqueles brinco de oro qui nunca mais deixô.

      As crianças espantavam-se de não ter nunca mirado brincos de ouro tão famosos, queriam vê-los com as mãos. Jovelina tirava-os, Letícia admirava, Arninho nem tanto.

     Pegava do chão o lenço dela que havia caído e punha-se a desatar o nó na ponta.

       – Não, meo fio.

       – Por quê?

      – É  pra  eu  me  alembrá  di  levá   o  corte di fazenda pra costurera fazê o meu vestido de Natal.

       Quando ela fechava os olhos e calava, Arninho:

       – Abre o olho, Mãe Jovelina!

 

       Os dois bebiam aquelas primeiras lições de vida respeitosos.       Assimilavam  também vocabulário e gramática da ama, que Ana Lídia e Tio Justo corrigiam rindo.

     No  fim  daqueles  castigos,  ritualmente  a  cantiga  das adivinhas. Sempre as mesmas, alto, em cadência.

Mãe Jovelina:

        – Quem é quem qui já trabáia pra nascê?

        – O pinto! porque fura a casca do ovo.

        – O qui é, o qui é?, entra n'água e não se móia?

        – A sombra.

        – A mãe é verde, a fia encarnada.

        – A mãe é mansa, a fia danada?

        – É a pimenta.

        D'ali a pouco, estavam livres; Ana Lídia fingia que nem via.

 

 

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Era o temperamento da mãe

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