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      XVI

 

P I N T U R A

 

 

 VERDE,  vermelho, amarelo, branco, e vária forma - belo como uma caixa de retroses ou o encontro gratuito de palavras poéticas. Basta deter um instante o olhar para surpreender ali aquele arranjo feliz que nem sempre o pintor alcança para a composição.

     Da praça barulhenta da manhã de domingo para a intimidade doméstica da copa, pela mão da moça - e o quadro aconteceu sobre o xadrez da toalha.

       Natureza morta. Por quê? Não. Natureza viva.

       Tranquilo, cada elemento se individualiza no grupo, e está dizendo contente: eu existo. Ó poesia das coisas simplíssimas, pura poesia, que nem sempre estamos tão aptos para receber!

      Horizontalmente, aconchegados nas curvas do pé de alface, dois peixes vermelhos ruminam algas - lá - lá onde há pouco as ondas baloiçavam... Pele de pluma de canário, as douradas bananas aguardam com humildade, em leque, o próximo acontecimento: talvez a mão do menino que as despetalará em flor. É certo que rolou por rolar a ferruginosa laranja. Como ri, inocente, à beira do abismo! Do abismo da mesa onde se entorna - nata que não acaba de entornar - a braçada de copos-de-leite. O fio de aranha de uma livre melodia mantém o milagre das formas e das cores, em elipse.

      A moldura da janela - que o vento escancarou violento - descortina um retalho de céu. Longe, no ar azulado, foge uma mancha - pomba? nuvem? ou anjo tocando violoncelo?

 

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