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    I

 

M A R 

 

 

 GOSTO - dizia o navegador solitário - de me fazer ao mar. Em sua intimidade ressurge em mim o homem primitivo, deslumbrado diante das maravilhas: as estrelas, as solenes montanhas, o mar. O mar poderoso!

     Gosto - dizia o navegador solitário - de me fazer ao mar. Qualquer dia, a qualquer hora, quer nasça no horizonte a manhã ou a luz se ausente, estou sempre de matalotagem pronta para o inefável partir.

   Pensar que esta água que me acolhe, tão mansa e companheira, é o mesmo mar oceano que avança em baías, arrebenta contra falésias e arrecifes, se estende num ermo invencível sob o azul de outros céus... Como sou pequeno" Que aniquilamento!

     E os segredos que oculta no ventre esta pele de monstro, estirada, veludosamente, em minúsculas ondas. Mar: caminho, fonte, heroísmo - túmulo. Vejo braços de náufragos que pedem, que ainda pedem socorro, na noite! Poderei ser um deles! Contudo eu ouso!

     Há - dizia o navegador solitário - os que buscam no mar a visão que dissolve o sal e os problemas; que lava de todo o tédio a alma encardida. Eu não. Para mim o mar é motivação de graves pensamentos, de interiorização, de encontro de mim mesmo.

     Sim - dizia o navegador solitário - de perigoso encontro de mim mesmo. Horas a fio, enquanto meu barco voga ao sabor das ondas, abandono-me a amargas meditações, como a um ópio. Por isso eu o busco, a esse amigo difícil, por isso eu gosto de me fazer ao mar.

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