Xavier Placer
A Figueira de Tiradentes
É uma figueira brava, de tronco carcomido e copa rala – uma árvore anciã. Quando jovem, era bela aquela árvore, à margem da estrada, rebrotada na primavera.
A fazenda do Padre Corrêa – onde Pedro I gozava férias com a imperial família – encheu-se de casas, surgiram ruas, tornou-se um prolongamento da cidade de Petrópolis.
Alargou-se o velho caminho de tropeiros para deixar passar o trem de ferro. Logo vieram os automóveis, que tomaram paralelamente mais terreno. E assim surgiu Corrêas.
No meio da estrada, a figueira se destaca, sozinha e feia – sobrevivente de uma época que já vai longe.
Ainda vive…
Talvez não resista muito.
Nos seus belos dias, quando bandos de pássaros cantavam pelos galhos, pousavam também à sombra da figueira a gente que descia das montanhas de Minas Gerais, pelo Caminho Novo, na Serra da Mantiqueira, em demanda da Corte. As águas do Piabanha regam as suas raízes. A figueira era um “alto” na estafante jornada.
Entre os viandantes contava-se certo homem de mediana estatura, cabelos alourados, claro, de aspecto simpático. Era vivo, tinha o coração ardente, e sabia falar.
Falava ao povo nas vilas, nas fazendas, por toda a parte. Afirmava estar para haver um levante, tanto em Vila Rica como no Rio de Janeiro e outras capitais do Brasil. Em Vila Rica, pessoas influentes, comandantes de tropa, desembargadores, padres, doutores, todos se haviam entendido. Bastava só esperar a cobrança dos impostos atrasados sobre o quinto do ouro – a derrama – para o grito de revolta.
Era um movimento já vitorioso. O entusiasmo apoderava-se de todos os corações brasileiros, e podiam também contar com a França e a Inglaterra, que enviariam navios. Os generais-governadores, desalmados tiranetes, seriam despachados para Portugal, para nunca mais aqui mandar – e o Brasil seria uma nação livre, próspera, feliz.
“Liberdade! Liberdade ainda que tarde!”
O homem que assim falava não era outro senão o alferes do Regimento de Dragões da Cavalaria Paga da Capitania de Minas Gerais; Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Ora uma vez, depois de vários dias de jornada, o Tiradentes alcançou o pouso da figueira.
A noite vinha chegando.
Arriou o seu bacamarte de cano de trombeta, junto à árvore e, acomodando a mochila, deitou o corpo cansado, adormecendo logo.
Adormeceu e sonhou.
Numa noite escura, num campo infinito, legiões de soldados lutavam bravamente. Grandes golpes eram desferidos, arcabuzes estouravam, animais cruzavam em disparada, havia sangue por toda a parte.
A vitória parecia inclinar-se para o inimigo.
Estavam prestes a vencer, quando um guerreiro desceu das montanhas, empunhando uma bandeira. Na bandeira viam-se entrelaçados três triangulos. E logo a seguir do guerreiro, que empunhava a bandeira bem alto, legião de soldados, gritando: “Viva a Liberdade! Viva a Liberdade!”
Então fêz-se tal desordem, os inimigos debandavam, precipitavam-se no mar, em desespero. Do mar levantava-se o Sol que iluminava serras e planícies, coisas e homens, num resplendor triunfal…
Assim sonhou o protomártir sob a figueira, sonho cuja realidade não seria para os seus olhos…
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