Xavier Placer
Ararigbóia
No pedestal, ali no ajardinado sempre verde da principal de Niterói, lê-se sob o busto do índio:
ARARIGBÓIA
22 – novembro – 1573
É a data solene de posse da terra, a qual começaria das barreiras vermelhas que estão da banda de além da cidade de São Sebastião, doada em sesmaria ao cavaleiro da Ordem de Cristo, Martim Afonso, o índio Ararigbóia, ou cobra do mau tempo – essa que depois foi Praia Grande, hoje Niterói.
Naqueles dias os franceses, aliados aos tamoios, tentavam ainda uma vez fixar-se em terras brasileiras, na Baía de Guanabara.
Vivia Ararigbóia na Capitania do Espírito Santo, morubixaba de uma taba de índios temiminós, da tribo dos tupinambás. Da Bahia, com dois galeões carregados de petrechos de guerra, mas escasso pessoal, o capitão-mor Estácio de Sá veio ter ao Espírito Santo, onde pessoalmente falou ao cacique, convidando o acompanhasse na arrojada empresa de pôr em retirada os franceses.
Acendeu o índio. Era oportunidade de tirar vingança sobre os tamoios inimigos, que em tempos o haviam expulso e aos seus da baixada grande da baía. Escolheu os seus melhores guerreiros, armou-os, contribuindo ainda com substancial reforço de víveres.
E a 20 de janeiro, dia de São Sebastião, ao romper d´alva, o capitão-mor luso e o chefe indígena caíram sobre os invasores e seus aliados. Foi dura a peleja; Estácio de Sá, ferido na face por uma flecha envenenada, pereceria mês depois; Ararigbóia perdeu muitos homens, mas a vitória assegurou ao vencedor a posse definitiva da Guanabara.
As coisas se faziam devagar. Quatro anos havia andava Ararigbóia nestas lutas. Quis retirar-se para a sua aldeia, a repousar de tantos trabalhos, sentia-se “dispeso e gastado”.
Não consentiu o governador Mem de Sá, em nome d´el-rei (disse-lhe), folgasse de ficar em terra para a favorecer e povoar, mandando trazer sua mulher e gente que tinha no Espírito Santo. Mais: pedisse as terras de que necessitasse e onde as houvesse em vaga e devolutas, para si e os seus.
E a mercê foi feita:
“Dou a Martim Afonso uma légua de terra ao longo do mar e duas para o sertão que tinha dado e com as condições de sua renunciação, hoje 16 de março de 1568 anos.”
Com o posto de capitão-mor e uma tença de doze mil réis, retirou-se Ararigbóia para a sua nascente aldeia, que ia desde o morro de São Lourenço – onde se ergue a capela sob a invocação do mesmo santo, berço também ali do teatro brasileiro – até areias de Icaraí.
Não acabaria, farto de dias qual patriarca, o altivo Ararigbóia. Vivera perigosamente, tragicamente acabou: morreu afogado junto à ilha de Mocanguê-mirim, em frente à sua aldeia.
Mas, além da cidade, que lhe guarda a memória, um traço de caráter ficou na tradição.
Com o vestido de gala que lhe enviara el-rei Dom Sebastião, participava de uma visita de cumprimentos no Rio de Janeiro, ao recém-nomeado governador das capitanias do Sul, o Dr Antônio Salema.
Sentou-se Ararigbóia, entre aqueles reinóis protocolares, e cavalgou uma perna sobre outra. Não pareceu o gesto bastante decente ao governador, que manda dizer pelo intérprete não ser aquela boa cortesia diante de um representante de Sua Majestade.
Levantou-se o velho índio de pronto, tomado de cólera:
“Se tu souberas – retruca – o que cansadas tenho as pernas das guerras nas quais servi a el-rei, não estranharas dar-lhes agora este pequeno descanso, mas já que me achas tão pouco cortesão, eu vou para a minha aldeia, onde nós não curamos desses pontos, e não tornarei mais à tua corte.”
Mais tarde voltaria às boas, mas levou tempo.
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