Xavier Placer
A pesca maravilhosa
“Maricá – diz Siman Vasconcelos na Vida do Venerável Padre Joseph de Anchieta – é uma lagoa, que a tempos se abre ao mar, distante sete léguas da cidade do Rio, donde costumam tirar os moradores grandes cargas de peixe.”
O jesuíta escrevia isso nos primeiros tempos da colonização dessa parte do território fluminense e do Brasil.
Hoje, Maricá aproximou-se da capital, elevou-se a cidade, e apenas a lagoa, como antigamente, é abundante em peixe. Para lá, todos os anos – a 15 de agosto – desloca-se em alegre romaria multidão de devotos de Nossa Senhora do Amparo.
A antiga vila de Santa Maria de Maricá orgulha-se de assinalar a presença do Apóstolo do Brasil em suas terras.
Exatamente em 1584.
Viera o sacerdote doutrinar os índios da aldeia de São Barnabé, em Cabuçu, fundada com gente de Ararigbóia ou talvez de remanescentes dos tamoios de Cabo Frio, sob a direção dos religiosos.
Já então era famosa a lagoa.
Para aí, a fim de realizar pescarias com que abastecessem o núcleo, mandaram os superiores o irmão Padre Leitão mais serventes e índios. Acompanhou-os Anchieta, que aproveitou a ocasião para “tratar com Deus mais retiradamente naquela solidão”.
Aberto no mato de espinheiros, o acesso à lagoa era difícil, a jornada penosa. O escuro surpreendeu o grupo em marcha, que pousou numa choupana junto ao penedo de Itaipu. Noite alta, duas onças vieram rondar; Anchieta, tendo lhes falado como a companheiras, pôs em retirada as feras esfaimadas.
Quando amanheceu, assistida a missa, partiu o grupo para as margens da lagoa com redes, cestos, petrechos de salga.
Haviam dado início à pescaria. Mas o peixe esquivava-se, pouco ou nada recolhiam. A meia distância o santo lia o seu breviário. Irmão Pedro veio queixar-se.
Constristou-se do insucesso; mas que podia fazer?
“Padre, dizem todos, que obedecem os pássaros a vossa Reverência, que vêm voando a conversar convosco, a pousar em vosso braço.”
“Bom dito está esse, irmão! respondeu. E não se vão elas pôr no monturo ou numa forca também?
O irmão insistia, ele seguiu-o:
“Boas costas são estas para lançardes sobre elas coisa tão grande! Andai, andai, que não sabeis quem sou!”
(Referia-se ao defeito físico: quando noviço, um moço, queda de escada fizera-o corcunda para o resto da vida)
Chegado junto às águas, o santo ordenou:
“Atirai neste lugar as redes. Atirai, que haveis de ter resultado, se Deus assim o mandar.”
Os homens fizeram como dizia.
E as redes emergiram carregadas. Indicou outros pontos, e mais pesadas saiam, rompiam-se, enchia-se a praia de peixes.
Felizes, maravilhados, gritavam todos:
“Milagre! Milagre! Milagre!”
Então ali, junto à remansosa lagoa que os montes cingem de verde, mostrou o santo àquelas almas, em prédica singela, as excelências da mensagem do Mestre. Aqueles realizariam coisas mais espantosas, removeriam montanhas, que tivessem fé.
E glorificou ao Senhor, a quem mar e vento, céus e abismos, a quem todas as criaturas obedecem.
Os peixes saltavam sobre a areia na clara manhã brasileira.
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