Xavier Placer
PAISAGEM & FIGURA HUMANA
Terra Goitacá
Quero lembrar agora aquela manhã antiga. Quero lembrar aquela manhã em Campos.
Antiga, perdida não na bruma, nem confundida a outras, antes cada vez nova e singular. Manhã das manhãs, guardo-a viva em mim – manhã de páscoa em terra goitacá!
Havia um bosque de eucaliptos do lado de Guarulhos, ao fundo, mirando os alongados perfis das árvores em cone, no espelho do rio.
Debruçado na amurada de ferro, eu fruía os últimos instantes às margens do Paraíba.
Soprava a brisa; o céu era azul. Lembro: era azul o céu.
Embaixo as águas corriam e tinham pressa em correr, caminhavam para longe, para o encontro marcado com o oceano...
Eu olhava.
Lá está o convento da Lapa, que o jesuíta levantou, e a sua capela, que já teve duas torres.
Hoje tem uma só.
"Pois é", sussurra-me o velho que se aproximara, "eram duas torres irmãs. Numa noite de tempestade diz que uma faísca derrubou a outra. Caiu a torre, enquanto o sino mergulhava badalando, dentro do rio. E lá ficou, azinhavrando, coberto de limo. Até que um dia veio o jacaré Ururau de papo amarelo e nele fez a sua toca, de onde sai para comer os que se afogam no Paraíba. E diz-que quando o tempo pega a ameaçar, ouve-se um som de metal por riba das águas – é o sino onde mora o jacaré Ururau de papo amarelo, chorando no fundo do rio. Coisas do povo..."
"Mas que tem lá a sua poesia."
"Pois não é?"
E prosseguia aquele companheiro fantástico.
Eu ouvia.
Ouvia e olhava.
De repente – e ele se calou – aquele alumbramento.
O Sol acordara por trás dos eucaliptos, para os lados de Guarulhos. E se erguia, num despertar glorioso, um brilho alvinitente. Erguia-se; e logo incidindo sobre o estendal das águas, recamava de ouro as minúsculas ondas. A partir de nossos pés, um rastro de luz se alongava de uma margem à outra margem, pulverizando-se na altura...
Alguém chamava por mim: as urgências da vida. E era preciso reter para sempre – para sempre! – a beleza daquele instante.
Envolvi tudo num olhar ambicioso – bosque de eucaliptos e margens, raios de Sol e escamas de ouro, aspirei a brisa, a frescura das águas, e me afastei em estado de poesia.
"Adeus, amigo."
"Boa viagem, hein!"
Crina ao vento, cauda empinada, cavalo passou galopando um momento contra o fundo das árvores –nobre e mitológico – sumindo no bosque iluminado...
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