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"NAL!   NAL!   NAL!"

     Les petits Savoyards sont de retour, et déjà leur cri interroge l'écho sonore du quartier; comme les hirondelles précèdent le printemps, ils précèdent l'hiver.

                Aloysius Bertrand. Octobre, In Gaspar de la Nuit.

 

NA manhã fria – é junho – a cerração esconde picos e declives. A planície ficou para trás, vai começar a subida. A serra de Petrópolis, serra da Estrela no mapa, deslumbramento de meus olhos de infante e adolescente! Não, hoje não quero o cristal de teus riachos cascateando em surdina; nem o azul, o branco, o rosa, ou o matizado das hortênsias no orvalhado tapete de tuas virgilianas encostas. Pontes e pontinhas, não quero saber se sois de aço, cimento armado ou madeira; passai depressa, “claros” inesperados, que me devolveis o espelho líquido da Guanabara, o “Dedo de Deus”, o “Corcovado” – a Metrópole inteira! Dá-me, porém, as tuas crianças, os teus meninos e meninas, que eu quero ainda uma vez rever neles a perdida infância, ó minha proustiana serra de Petrópolis, serra da Estrela no mapa.

 

ONDE estão eles, os pequenos serranos? Não é possível que o frio os tenha afugentado; impossível também que tenham esquecido que há um trem de 9,45. Dormirão ainda? Onde estão eles, os nossos pequenos serranos?

      – Nal! Nal! Nal!

    Lá vêm. Um, dois, três, quatro cinco, seis… Agora são um bando a surgir em cada curva da estrada, dos acidentes de terreno onde se aninham casebres. Seus gritos de aves implumes, agitando as asas: – Nal! Nal! Nal! – têm ressonância agudas no fino ar matinal.

      Um senhor avermelhado, a julgar pela aparência, fiel súdito de Sua Majestade Britânica, em weekend, fica a olhá-los com um sorriso ingênuo e grande espanto. Decerto imagina que isso é uma saudação dos pequenos serranos a sua pessoa. Tira o cachimbo fleugmático:

     – Well! Bye, bye!

   Quanto a mim não ignoro o que significa todo esse alarido. Pedem jornais que, vendidos a quilo, dar-lhes-ão níqueis para comer. Os pais trabalham na estrada de ferro, são cassacos; os irmãos e irmãs maiores andam empregados na “Fiação Cometa”, à raiz da Serra; e as mães, pobres mulheres estazadas, lavam roupa para famílias estrangeiras de Petrópolis. E assim crescem, esquecidos, miseráveis, embora a dois passos da cidade aristocrática, beneficiados apenas pelo ar ozonizado da Serra. Uns são claros, outros morenos. Também há pretinhos. E uma nota comum os irmana: como são magros e esfarrapados os filhos dos cassacos!

      A composição avança, engrenando ruidosa na cremalheira.

      – Nal! Nal! Nal!

    Os primeiros vão ficando, mas de cada barracão, clareira, desvio. continuam a surgir, qual bando de pardais. Ávidos pardais. Meu olhar, de súbito, encontra um par de olhos muito brilhantes, num rostinho moreno, enfarruscado, franjinha caindo na testa.

      – Nal! Nal! Nal!

    Observo que as veias do pescoço se lhe intumescem, na violência do esforço. Atiro um jornal. O esperto pardal corre ao encontro do objeto precioso. Some-se… A composição distancia-se. Onde está? Ponho a cabeça fora do vagão. Não o vejo. Que é feito dele? A composição avança; a composição distancia-se, distancia-se… Que é feito dele?

    Enfim, ei-lo de novo. Não tem o jornal, mas ei-lo de novo. Dou-lhe adeus. De pé, sobre uma pedra, o pardal olha-me de esguelha, gritando sempre. Insisto no aceno. Não me responde. Mostro-lhe um níquel, que lanço na sua direção. É para ele, que o apanhe! Ladino, num relance me compreende: ei-lo que deixa a pedra de um salto, agitando no ar um jornal, o jornal que lhe havia atirado. Mas já a composição dobra uma curva, perco-o de vista.

 

AGORA um par de olhos muito brilhantes, num rostinho moreno, enfarruscado, franjinha caindo na testa, vai comigo para Petrópolis. A meu ouvido, gritos agudos ecoam em ritmo ternário:

     – Nal! Nal! Nal!

      E não sei porque, fico triste.

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