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AS ALIANÇAS

 -JA-CI-RA!  

    Você, Lívio ? Um instante. Entre para a varanda ou aí para o jardim. Quininha se atrasou na escola, mas já vamos.

    Vim cedo ?

    Absolutamente. Não é meia hora ?

    Já passa um pouco. Quinze para uma, Jacira.

     Ih, meu Deus! Quininha, veja se acaba logo com esses penteados, ande!

     Não tenho pressa. Eu espero, Jacira.

     Vá então vendo as minhas flores, Lívio.

    – Bonitas, Sobretudo as dálias. Que vermelhas, e grandes!

    – Dálias? ! Onde é que você viu dálias ?

    – Então essas flores…

    – Crisântemos. E nem são vermelhas, seu bobo. Grenás.

    – Ah !

***

    – Livio !

    – Olá, Quininha! Como você está bonita!

    –  Acha ?  Imagine que Jacira queria que eu fosse de uniforme do Grupo. Preferia ficar em casa, não gosto daquela roupa. Só uso porque não tenho mesmo outro remédio…

     Também não lhe fica mal.

   – Me faz muito criança. Você não acha que já estou ficando mocinha, Lívio ?

     – Quantos anos tem ?

    – Ah, Lívio, que tem a idade ? Imagine que todos me dão... Quantos anos você acha, diga !

     – Já está na quinta série, não é ? Onze... Doze.

     – Viu! Doze, não é? Pois tenho dez, aliás vou fazer para o mês que vem. Aparências enganam, meu caro, como diz papai...

     – Ele já veio do Banco ?

    – Já veio, almoçou e saiu com mamãe. Sabem o que querem fazer? Ver uma casa lá em Niterói.

     – Casa?  Não estão bem aqui?

    – Estamos, mas é que mamãe acha que para dar a Jacira um enxoval em condições, a gente precisa fazer umas economias. Então papai lembrou que só no aluguel da casa, sabe ? Agora não vá dizer a Jacira que eu lhe falei!

     – Ora, Quininha. Escute. Jacira sabe disso ?

   – Fale mais baixo, Lívio, que ela pode ouvir. Não sei. Deve saber, não é ? Jacira não estava presente no momento, mas sem dúvida mamãe depois falou com ela. Elas conversam muito sobre o próximo noivado de vocês.

     – Sim ?

    – Quer  dizer,  mamãe é quem falam quem  puxa  conversa  a toda hora. Mamãe simpatiza imenso com você. Acha que você é um ótimo partido, que tem um grande futuro, e não sei mais o quê. Gosta mesmo. Até me recomenda sempre: "– Você procure tratar o namorado de sua irmã com muita atenção, dona Quininha. E quando estiver com eles nada de se intrometer nas conversas, ouviu?" Fala assim mesmo.

    – E seu pai ? "Seu" José foi avisado de que nós íamos hoje à cidade comprar as alianças ?

    – Foi, Ouvi mamãe dizendo hoje cedo a ele. Também disse que você pedir a mão de Jacira no aniversário dela, dia dezoito. Mas papai, eu tenho a impressão, não sei, de que não simpatiza muito com você, Lívio.

     – Já ouviu alguma coisa a este respeito, Quininha?

     – Já. E não uma nem duas, diversas vezes, Lívio. Ainda outro dia na mesa, como mamãe elogiasse você, ele disse:  "– Qual, esta minha mulher é sempre a mesma!" e abanou a cabeça. – " A mesma por que, José ?"  – "Vá, vá se deixando levar pela sua falta de tato costumeira e mais tarde, então, choramingue, puxe pelas orelhas. Esse menino (era você) é muito correto, muito bom, não tenho o que dizer, mas que sabe ele da vida – Nada, um filho de papai... "Mamãe interrompeu-o:" – Não acho que o Desembargador Souto seja tão mole com os filhos como dizem... E você, quando casou conhecia muito a vida!" Quase brigaram, Lívio, Mamãe só tem um receio...

      – Qual é ?

    – Que Jacira, com o gênio terrível dela, não se dê bem com seus parentes e que por isso não sejam felizes... Mas que coisa, ela não aparece! Jacira! Espere aí, vou desencantá-la já, já. Depois diz que sou eu que demoro a me aprontar...  Jacira!  Ó Jacira!

***

   – Tão silenciosa! Em que está pensando, querida ? Está triste,   aborrecida ?

      Triste, aborrecida por quê, Lívio?

     – Sei lá, as mulheres são tão complicadas. Você tem motivos neste momento para estar contente, mas vejo-a tão calada, ar pensativo...

    – Não sou assim ? Mas estava me lembrando de um sonho que tive esta noite...

     – Bonito ?

    – Nada, Ridículo, bobo. A gente sonha cada absurdo. E ainda há quem dê importância a sonhos.

     – Conte. Foi comigo ?

     – Sim e não. Curioso, meus sonhos não têm um enredo. Uma confusão, uma coisa horrível...

     – Bem, mas conte.

     Não estou lhe dizendo que não tem sentido? Foi assim. Era de madrugada, e nós dois íamos de trem para um lugar desconhecido em viagem de núpcias. Mas de repente não era mais trem, era um avião. Eu ia perguntar a você: " Lívio, que necessidade tínhamos de mudar de condução, estávamos tão bem!" quando um vulto se aproximou. Julguei que fosse o aeromoço, mas não, era uma mulher parecida com mamãe. " A senhora também vai?" perguntei-lhe. A resposta dela foi aproximar-se de mim, agarrar-me e, com uma força terrível, sacudiu-me pela janelinha afora. Não lembro mais nada; acordei angustiada, ofegante, tenho a impressão de que gritei seu nome. Mas estou falando alto demais... Será que Quininha não ouviu?

     – E que tenha ouvido! Mas não, nem repara, vai olhando para fora... Como corre, este ônibus!

     – Pois sim, que não repara! Isso é uma sabida. Papai acha que ela tem o temperamento igualzinho ao de mamãe. É verdade, que estava falando com você há pouco na varanda ?

    – Bobagens. Gostei que você trouxesse este vestido. Pensei que viesse com o estampado.

     – Sei que você gosta mais deste...

     – Então é para mim ?

     – Exclusivamente.

     – Querida.

***

     – Apresento-lhe minha noiva, “seu” Lino. Papai avisou-o de que viríamos hoje, não?

       – Muito prazer. Esteve aqui sábado, e disse-me. Jacira?Bonito nome, e você, minha pequena?

      – Quininha.

      – Joaquina, não é?

     – Era o nome da minha mãe… Já os atendo. Deixem-me ver este telefone.

     – “Seu” Lino é um velho amigo de papai, Jacira. Amigos de infância. Há dez anos atrás, em 32, quando mamãe morreu, ele foi muito prestativo, papai deve-lhe grandes favores. É padrinho de Anita. É um homem impertinente, muito cacete, mas dessas pessoas, no fundo, boas. Sim, você nunca ouviu falar num certo namoro de tia Alice?

       – Que durou quinze anos ?

       – Isso mesmo. Pois foi “seu” Lino o namorado. Não casaram, imagine, por incompatibilidade de gênios. Foram precisos quinze anos para chegarem a  essa  conclusão.  Tia  Alice  não  o  tolera.

Estragou a minha mocidade, aquele egoísta, aquele monstro!” Papai zomba dela, isto é, zombava antigamente: “ Ora, mana Alice, você nasceu solteirona. Seu mal foi ter arrumado um namorado com a mesma vocação”. Ela hoje tem um ódio mortal a ele. É por isso que “seu” Lino não vai lá em casa…

       – Ele pode ouvi-lo… Olhe este broche, Lívio, que maravilha!

       – Flores microscópicas…

     – São miosótis, que o povo chama de “não te esqueças de mim”. Repare só que fino o azulado das pétalas, que perfeição! Nunca vi joia mais bonita!

       – Olhe o outro ao lado, Jacira. Que amor!

      – O pavãozinho, Quininha? Oh, que falta de gosto, meu Deus! Pesadão, cheio de cores… Isso até rasga o vestido.

    – Bem, meninos, aqui têm alianças, podem escolher à vontade. As desta caixa são maciças, desta outra ocas. Aconselho-os a levar das primeiras. São mais caras, mas servem definitivamente. Está larga, essa ? Veja uma menor. Isso é uma coisa que se deve querer bom para ter para o resto da vida. Quando casam ?

     – Ainda não sabemos.

     – Estão roxinhos para isso, não? É, o casamento! O casamento é coisa muito séria. Apertada ? Então esta. Hoje são jovens, amem-se, não sabem o que é a vida. Mas amanhã! As dificuldades econômicas, as doenças… Essa fica-lhe bem. Não convém apertada nem folgada demais, fique com essa. Depois os filhos, os reveses… Mas é isso mesmo, quem pensa não casa. É como diz o poeta: esta vida são dois dias.

    – Bem, “seu” Lino, agora queria que o senhor nos mostrasse um broche que está aqui. Este.

     – Oh, que é que você vai fazer, Lívio ?

     –  Você não gostou ?

     – Mas não quero, não faça isso.

     – Jacira, meu presente de noivado. Aceite.

***

 

       Como é belo aqui o mar, Lívio! Que ímpeto, que força!

     – E você teimava em não vir, Jacira. Copacabana tão perto, e era tão cedo para voltarmos. Está deserta a praia, deve ser do frio, fiquemos aqui muito tempo. Gosto de vê-la assim o vestido batido pelo vento, cabelos revoltos, e essa alegria nos olhos. De onde vem ?

      – É a sua presença, querido. Mas ouça a música das ondas.

      – A música das ondas… Quantos segredos não se escondem e não se esconderão perpetuamente sob a noite dessa espessa massa verde. Tão plástica, mas sempre inviolável, eternamente virgem! A música das ondas… Quem sabe não é o rude clamor dos náufragos e desaparecidos. Veja, veja aquele iate que há pouco largou do ancoradouro… Ainda se divisa a mancha branca de sua vela, como a asa de uma gaivota, nos longes, e já o sulco que abriu se perdeu para sempre.

     – Que misterioso é o mar, e terrível!

    – Lá se foram desfazendo as nuvens que encobriam o sol… Repare esse rastro luminoso que se estende agora por cima da superfície inquieta das águas…

      – Oh, vontade de sair correndo por cima… Mas aonde levará ?

     – Sim, aonde levará? Pensar que assim são os caminhos do Amor…

   – Querido, que nenhuma sombra, nenhuma, perturbe a harmonia desta hora ! Que pode contra nós o tempo? Dê-me a sua mão, assim. E fite-me nos olhos: eu sou o Amor, eu sou a Eternidade!

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