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Para Álvaro Penafiel.

O OBSCURO INIMIGO

– Ô douleur! ô douleur! Le temps mange la vie,

et l'obscur Ennemi qui nous ronge le coeur du  

sang que nous perdoms croit et se fortifie!        

                          CH. BAUDELAIRE,  Les Fleurs du Mal.

I

NO RELÓGIO elétrico da seção acabavam de soar cinco horas. Abandonou o que estava fazendo, consultou maquinalmente o relógio, desceu os olhos para a papelada sobre o bureau, ficando um instante indeciso. De súbito, como quem toma uma resolução, guardou-a nas gavetas e deixou a sala em silêncio.

    Para esquivar-se à companhia dos colegas que também se apressavam para sair, desapareceu rápido. Como acontecia quase sempre, porém, foi inútil. Mal alcançara a porta, pôde ouvir distintamente a voz resoluta de Elpídio Muniz destacando-se do burburinho das conversas.

     José Henrique! José Henrique!

    Deteve-se, voltando a cabeça.

    O colega indicou-lhe com um gesto o telefone.

    Tivera aquele pressentimento ao ouvir o ruído do aparelho! Na precipitação de voltar, José Henrique esbarrou violentamente em alguém que saía, mas refletindo no chamado nem se lembrou de pedir desculpas. “Será possível! Todo o dia há de aparecer à última hora um motivo para me reter aqui…” Ainda se lembrou que Lavínia lhe falara em irem naquela noite a um concerto, mas apressou-se em atender.

     Acho que é o diretor! Pela voz… esclareceu o colega, debruçando-se à janela que abria para a rua.

    E quando dali a pouco José Henrique depunha o fone:

     Enganei-me?

    José Henrique olhou-o espantado e quase ia deixando sair impensadamente: “Oh, você ainda não se foi?”, porém refletiu a tempo.

     Não; era o Dr. Matos mesmo… Vamos?

     Estava justamente à sua espera, respondeu Elpídio Muniz segurando-o de leve pelo braço enquanto deixava a sala, agora vazia.

    E como José Henrique continuasse calado:

     Então, que queria o diretor? indagou com interesse.

    José Henrique teve um vago sorriso irônico observando que Elpídio Muniz, por demonstração de respeito, evitava chamar o diretor pelo nome, e disse laconicamente que Dr Matos lhe pedira para ir à noite a sua casa.

     Será para fazer-lhe as informações do boletim de merecimento do pessoal?

     Que pessoal?... repetiu José Henrique que, com o pensamento no concerto de que Lavínia lhe havia falado pela manhã, ouvira apenas a última palavra.

    Enquanto tomavam o elevador, o outro entrou em detalhes sobre o fato. Já dentro, para atalhar a conversa, José Henrique preferiu explicar-se:

     É sobre o novo serviço que se está criando. O Ministro indicou Dr. Matos para falar na inauguração e ele pediu-me agora que fosse ajudá-lo na redação do discurso. Vai mandar buscar-me em casa de automóvel entre 7 e 7,30...Não sei para que serve tudo isso, arrematou por fim, fazendo um gesto característico, com a mão.

    Elípio Muniz discordou, mostrando-se levemente escandalizado com a maneira de ver de José Henrique, achava que era uma honra do Sr. Ministro a feliz indicação do diretor naquela circunstância, e ao chegarem à rua repisava ainda lugares comuns sobre a admirável organização para que caminhava de alguns anos a esta parte a administração pública. E citava como argumento insofismável a criação daquele serviço, de que justamente não se havia até ali cogitado, etc, etc…

    José Henrique desinteressava-se francamente pelo assunto e como caminhassem agora na Avenida, interrompeu-o sem cerimônia:

     Bem, Muniz, obrigado pela companhia. Meu ônibus vem ali…

    Mas o outro convidava-o para um café.

     Não me posso demorar hoje, fica para outro dia. Até amanhã.

    Pondo-se a caminho, José Henrique ainda o viu atravessar a rua todo convicto da sua dignidade de funcionário e um pensamento passou-lhe pela cabeça: “Em que ambiente medíocre estou metido, enterrado… É incrível como uma pessoa se possa interessar tanto por uma atividade que nada oferece de interessante, é incrível!” E um profundo desgosto o dominou.

    Comprou algumas revistas femininas para Lavínia e meteu-se no ônibus, que se aproximava.

    Estava calor, um intenso calor de verão carioca, e José Henrique esforçava-se por distrair-se com os detalhes que iam surgindo a seus olhos. Em breve o carro tomava pela beira-mar e com a velocidade que desenvolvia, uma aragem agradável começou a se fazer sentir.

    E à medida que o ônibus avançava, José Henrique sentia-se menos deprimido, mais liberto. Teve consciência disso e reconhecendo que aliás não era a primeira vez que observava em si este fato, achou-se ridículo. “É realmente incrível como o ambiente possa influir tanto sobre o nosso espírito”, pensou. “A gente às vezes se julga tão preparado para resistir interiormente a tudo o que vem de fora e no entanto o menor incidente nos desequilibra, somos um joguete dos fatos”.

    Tentou afastar de si aqueles pensamentos, mas foi em vão, pois em breve surpreendia-se a considerar com amargura: “Que vida estúpida, esta minha! Uma comédia. E amanhã se repetirá a mesma coisa… Assim, quantas vezes? É horrível, eu que sempre lutei para não me deixar absorver por essa odiosa mediocridade. Mais um dia inútil, inútil… Pensar que não tornará mais, nunca mais! Dizer-se que isto, que não é mais do que isto a existência de um homem. E com que finalidade? Para que toda essa luta, meu Deus? Eis todas essas fachadas, e por detrás delas, criaturas… Homens e mulheres que acreditam viver porque se agitam, trabalham… No entanto, enterrados-vivos! Como é estranha a vida, como a natureza é pródiga criando tantos seres… como dizer? Sim, tantos seres cujo destino afinal não é senão passarem pela vida, perpetuarem-se através dos filhos e desaparecer na sombra… Oh, e por que não serei como eles, porque esta terrível consciência de um destino mais alto assistindo-me viver? Assistindo-me viver? Talvez mesmo me impedindo dessa coisa tão simples para os outros… Por que e para que existirão criaturas como eu? Como sinto nojo de tudo isto, como toda essa mediocridade me exaspera! Foi para chegar a isto que eu deixei um dia cheio de revolta o colégio? Onde estão as antigas esperanças? Eu, que sempre me revoltei contra o espírito de rebanho, como me tornei “todo mundo”...

   E por um rápido instante, no fundo de sua consciência, se agitaram os contornos de possíveis caminhos que teria podido seguir. “Sim, e por que não?” pôs-se a considerar, ele que era sempre implacável consigo próprio. Mas uma outra pergunta ricocheteou prontamente em seu espírito: “Mas fui eu, José Henrique, que consciente, livremente, me decidi por este?” E o mais doloroso era ver-se obrigado a reconhecer que não. Não, nem isso! Fora apanhado insensivelmente pela engrenagem da vida. E agora com trinta anos, sentia-se um homem acabado, um velho, senão fisicamente, pelo menos (e isto era a maior derrota), em seu espírito. Mais um pouco e esta vigilante consciência de revolta, já cansada, dúbia, acabaria rendendo-se de todo, reduzindo-se ao silêncio. Seria a morte moral. Ele ainda se arrastaria decerto por muitos, por longos anos, mas que seria senão uma caricatura de si próprio?

    Todo entregue a estas amargas reflexões, foi maquinalmente que deu o sinal de parada. Cabeça baixa, desesperadamente concentrado em si, dirigiu-se para o edifício em que morava… E só ao entrar no “hall” é que reparou que havia esquecido as revistas no ônibus.

 

II

 

   Celita e Dauro brincavam no corredor com as crianças do apartamento vizinho. Vendo o pai abrir a porta do elevador, correram para ele em alvoroço, pedindo que o levassem no alto:

       Primeiro eu! Primeiro eu! gritavam a um tempo, agarrando-se a ele.

     José Henrique repreendeu-os docemente, e tomando Dauro no colo, entrou em casa com Celita pela mão.

   A menina sumiu-se pela casa a dentro chamando a mãe; Dauro, nos joelhos do pai, que se sentara, explicava agora na sua vozinha cheia de inflexões suaves e muitos gestos, como havia cortado o dedo, que tinha amarrado. Culpava a irmã que o havia chamado de medroso.

      Celita disse isso? Ah, então é preciso ralhar com ela, dizia-lhe o pai, afagando com carinho os seus finos cabelos em franjinha.

     Foi a essa altura que Celita voltou à sala com a mãe. Lavínia demorara-se a compor os cabelos, que usava em tranças durante o dia, por comodidade, mas que sabia José Henrique preferir ver soltos. Ao entrar, compreendeu pelo olhar que o marido havia gostado de sua nova saia verde-mar e sentiu-se feliz, o sorriso que teve para ele bem queria dizer: “Gostou? Pois então muito obrigada, querido!” Tinha vinte e quatro anos e era morena e esguia. Pela expressão de seu rosto pequeno, feições delicadas, era-se inclinado a ver-lhe uma certa satisfação em sentir-se bonita, o que não correspondia à realidade, pois observando-a melhor, notava-se uma tímida perturbação neste sentimento…

    José Henrique levantou-se para beijar a mulher. Como ele gostava de a ver assim de saia escura e blusa branca! Tendo reparado no ramalhete de violetas bordado no pequeno bolso de onde aflorava um lenço rendado, tocou-o com o dedo.

     São violetas de verdade… gracejou Lavínia.

     É nova essa blusa? perguntou Henrique batendo-lhe de leve no rosto.

     Meu Deus, nova! Estou cansada de vesti-la…

      Sentaram-se.

     Dauro subiu-lhe de novo para os joelhos, enquanto Celita, num movimento rápido, trepou no divã. Lavínia repreendeu-a com o olhar, a menina ficou indecisa, mas José Henrique, percebendo, atraiu-a para si com um “deixa!”

     E como Lavínia e José Henrique se pusessem a conversar, Dauro começou a bater no rosto do pai para fazer-se ouvir.

     É verdade, que foi isso no dedo dele? indagou José Henrique.

    Lavínia ia falar, mas as duas crianças a interromperam:

     Foi Celita quem me disse que pegasse na faca…

     Eu não papai! Foi ele mesmo que quis.

    José Henrique quis saber o que a mulher pusera no dedo do filho.

     Um cortezinho de nada, molhei com água e sal, que era o que tinha à mão.

    Mamãe botou água com sal, tagarelou Dauro, e quando ela foi buscar o pano eu lambi… Ih, é amargo!

    Riram-se; José Henrique afagou o rostinho ingênuo do menino, e como Celita o beijasse, estreitou-a contra si. A umidade dos cabelos soltos de Lavínia, aconchegada a ele, transmitia-lhe à face uma doce sensação de frescor. Que delicioso instante para ele, este, na despreocupada intimidade da família! Por alguns instantes o mundo se resumia naquele pequeno círculo de seres queridos, e era feliz! Por estas três afeições é que ele se deixava cativar, é que ia abdicando de tudo sem violência, que se entregava mansamente vencido…

      Estranhamente, haviam ficado em silêncio, em silêncio cheio de tranquila poesia; José Henrique lembrou-se da sogra, indagando à mulher por ela. E como Lavínia dissesse que a mãe havia passado bem naquele dia, tendo até saído em visita ao túmulo do marido, José Henrique limitou-se a um gesto.

     Mal haviam pronunciado estas palavras a seu respeito quando dona Luísa entrou na sala.

     Como está, dona Luísa?

     Boa, obrigada… murmurou ela, aproximando-se do neto para ajeitar-lhe a gola do casaquinho.

    “Estava boa” pensou José Henrique. E o acento de profunda resignação que havia naquela voz não lhe passou despercebido, dominando-o um indefinível sentimento de piedade…

       A criada veio avisar que o jantar das crianças estava pronto; e como Lavínia os quisesse levar para dentro Celita e Dauro relutavam. Foi preciso que a avó os conduzisse. E tendo Lavínia saído também, José Henrique ficou sozinho na sala, pondo-se a folhear algumas brochuras que Lavínia andava lendo no momento.

    Pouco depois ela voltava à sala. E notando um sorriso nos lábios de José Henrique:

     Por que é que você está rindo?

    Ele mostrou-lhe uma frase qualquer, sublinhada pela sua mão, ela sorriu, e fechando-lhe o livro com certo desembaraço:

     Então vamos jantar? O concerto de Gilda começa às oito horas, não temos muito tempo…

     Ah, Lavínia, ainda não lhe disse. Dr Matos pediu-me que fosse à noite à casa dele.

     Mas hoje?

    E como José Henrique lhe contasse o telefonema à hora da saída, ela perguntou-lhe a que horas devia estar com o diretor.

    Agora, entre sete e oito horas. Vai mandar buscar-me de automóvel.

    Lavínia encarou o marido com surpresa:

     E por que você ainda não me havia dito?

     Por isso mesmo… respondeu ele, sublinhando a frase, ao mesmo tempo que cingia a mulher pela cintura.

    Lavínia compreendeu a delicadeza do marido e sorriu.

    Por que não vai você sozinha? sugeriu José Henrique.

    Mas aquilo era ainda outra delicadeza de José Henrique, e foi-se em silêncio que seguiram para a sala de jantar. Não era a primeira, nem seria a última, que deviam abdicar desses pequenos prazeres. No entanto a vida não era feita senão deles -- humildes, raros, e nem por isso menos difíceis de realizar…

 

III

 

    José Henrique acabava de sair. Lavínia recolheu ao quarto as crianças que já começavam a cabecear, sonolentas, acomodou-as, estirando-se na cama com um livro.

    Subitamente fechou o livro e, o olhar fixo em um ponto abstrato, sua fisionomia tomou uma expressão pensativa.

   “Não, não! murmurou ela, apanhando de novo o livro e tentando apanhar o enredo no ponto em que o interrompera.

    Inútil. Seu pensamento misturava-se às palavras impressas e quando deu conta de si, surpreendeu-se a repetir: “Não, não, seria injustiça de minha parte. Meu marido seria incapaz de uma coisa dessa, bem o conheço. Seria horrível…

    Mudou de posição, ajeitando ligeiramente os cabelos. “Sim, mas às vezes é de onde menos se espera que…” tornava implacável, aquela voz. E a sua imaginação (Lavínia era vítima permanente de seus exageros), veio um sem-número de casos de infidelidade conjugal… Daí, para aquela lembrança, foi apenas um passo! Sim, como um raio, seu pensamento foi cair naquele doloroso defeito cuja consciência, ainda que em certos momentos menos aguda, nunca a abandonava. Oh, como aquilo a fazia sofrer! Uma coisa tão simples, imperceptível mesmo aos estranhos, no entanto que tortura, que martírio silencioso e cruel! Havia momentos em que a consciência daquela irremediável realidade como que anulava em seu espírito todas as outras sensações possíveis, tinha a impressão de que poderia, de repente, perder para sempre a razão…

      Fora no seu primeiro ano de casada. Voltava de visitar Gilda, que noivara dias antes, e, nem meia hora depois… Bem que ela não queria tomar aquele ônibus! Parece que estava adivinhando… “ Esse serve, esse serve! Não perca esse, sua boba!” fizera Gilda, depois de a ter retido tanto tempo à porta, enquanto passavam outros. Ah, como havido custado a acostumar-se, não à imobilidade da mão, mas à ideia, ao fato de carregar consigo dali em diante aquele defeito! Chorara tanto durante o tratamento… Certas noites, ao acordar casualmente altas horas, aquela ideia se apoderava dela de maneira tão intensa, que chegava a desejar a morte.

    Numa das vezes. José Henrique havia despertado também “ Que foi, querida? Está lhe doendo?” Ela se pusera a chorar. José Henrique decerto compreendera, pois repreendera-a docemente: “– Durma, Lavínia! Você parece criança… Não pense em tolices!”

     Do lugar em que estava, via a própria imagem no espelho do imóvel fronteiro. Levantou-se e foi espiar-se mais de perto. Esteve a considerar o rosto, detalhe por detalhe, ajeitou os cabelos para detrás da orelha, deteve-se alisar as sobrancelhas, deu um toque nos cílios, depois afastou-se um pouco para se contemplar inteira.

       Não se achou feia, mas olhando para a mão que o espelho refletia… “Oh, é horrível!” E uma violenta vontade de chorar a dominou. Mas procurou conter-se, deitando-se.

    De repente, lembrou-se de rever antigas cartas de José Henrique no tempo de namorados e agarrou-se àquela ideia com uma vaga esperança. Que lhe poderiam elas dizer ? Não sabia direito o que ia procurar nelas, mas era preciso revê-las, elas tinham alguma coisa a dizer-lhe… Foi buscá-las e, espalhando-as sobre a cama, pôs-se a reler algumas ao acaso. Mas aquela vaga esperança foi-se desfazendo, insensivelmente se desencantando, e não podendo suportar por mais tempo aquilo, arrumou as cartas e deixou o quarto. Talvez, pensou, junto da mãe encontrasse um pouco mais de serenidade. E dizer que havia amigas que lhe invejavam a existência, que a consideravam feliz! Como se a felicidade estivesse na situação material… Feliz, ela! Não, não o era, e por temperamento. Pois quando lhe faltassem motivos reais, aquela sua maldita imaginação se encarregaria de criá-los.

      Dona Luiza estava justamente deitando-se, quando, ouvindo os passos da filha, esperou.

     Que foi, Lavínia? perguntou ela, notando a fisionomia alterada da filha.

    Lavínia ia falar, porém uma forte crise de lágrimas a impediu de articular palavra. A mãe amparou-a, fazendo-a sentar-se na cama. A crise aumentava, Lavínia falava com as palavras entrecortadas  pela comoção:

     Não, mamãe, não me posso resignar… Meu marido não me ama, é impossível que me ame assim! Eu lhe dou razão, tem motivo para não me ser fiel…

     E como a mãe a aconchegar se para si, animando-a:

      É inútil, a senhora está apenas fazendo o seu papel de mãe, que é consolar, continuou ela, com angustiosa exaltação. É inútil, mamãe! Compreendi hoje tudo… É somente em respeito a nossos filhos… Oh, como a vida é terrível para mim! Não, não, eu não posso me resignar em silêncio, eu não posso aceitar…

      Calou-se; a intensidade crescente da comoção embargava-lhe agora de todo a palavra. Dona Luísa puxou para mais junto de si a filha, tentando animá-la:

     Lavínia! Lavínia!

    Lentamente, ela serenara. Dona Luísa compreendeu que era o momento propício para falar. E começou perguntando-lhe se sabia alguma coisa de positivo sobre o que acabava de dizer a respeito do marido.

     Não, mamãe, não sei de nada.

      Então, minha filha? Não se deixe levar pelos seus nervos, pela sua exagerada imaginação. Considere as coisas. Seu marido…

     Mas falta-lhe qualquer coisa, mamãe, eu o sinto, ele não é feliz!

     E quem o é, Lavínia? Eu compreendo José Henrique. Toda a queixa dele é apenas contra a vida. Aliás se ele sente algum estímulo para enfrentá-la, garanto-lhe, é de você e seus filhos que o recebe. Mas não falemos mais nisso. É preciso estar preparada pela compreensão para não ser apanhada de surpresa nessas crises, minha filha! concluiu Dona Luísa, beijando-lhe ternamente os cabelos.

    Estar

  – Estar preparada pela compreensão… murmurou Lavínia. Eis uma boa receita, o que não me impedirá de sofrer…

     Sim, ao contrário, mesmo Talvez a leve a sofrer ainda mais, Contudo a vida não é para outra coisa… Bem sei que esta palavra é dura, mas para que a gente se enganar a si própria?

    Mal acabara dona Luísa de pronunciar esta última frase, ouviram o choro de Celita.

    Lavínia deixou o quarto bruscamente; ajeitou a criança, que ressonou, continuando serena o sono interrompido… E deixou-se estar ali contemplando a filha em silêncio, revendo-se na pureza daquele pequeno rosto não tocado ainda pela crueldade da vida, porém que um dia… Uma profunda piedade apossou-se dela. Ah, o destino de sua filha! Se tivesse fé, se pudesse ter fé em Deus para voltar-se para Ele naquele momento! Era pequeno seu coração, tão pequeno e tão seco… Inclinou-se, depôs um beijo na testa da criança e, apagando a luz, deitou-se.

    Exausta, aniquilada por aquelas agitações, não demorou em adormecer. Mas conformada? Menos triste? Talvez mais fatigada apenas...

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