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  "TIENEN QUE SER COSAS” – adverte Gomes de la Serna – “que se le aparecen a uno, no que uno las haga aparecer”. O que acontecia: não as procurava, achava-as.

 

     Mais: havia nele um conversador nato. Num salão, numa roda, ninguém para referir o fato do dia, glosar uma ideia, contar uma história grave ou perversa.

 

    Não elevava o tom, aliás harmonioso. Tampouco gesticulava. Embora inquietamente agitasse às vezes a seca mão num movimento plástico a ilustrar o texto.

 

     Em suas palavras mesmas, dentro delas, no fundo delas, que depositava a substância que as fazia deflagrar.

 

       Nos  lábios  dele,  escultor  hábil,  as   palavras  se despiam, funcionalmente se desnudavam na praça, para o ofício puro de expressar.

 

         Era  preciso  (como um escritor disse de outro), ouvi-lo com os olhos, com os olhos principalmente.

 

         Nem lhe faltava sense of humour. Sabia ver as coisas como parecem, mas também como são. E agradava-lhe estabelecer aproximações, virar pelo avesso inesperado as tessituras brilhantes.

 

      Com o passar  do tempo notaram  os amigos que alguma coisa sobrevinha em sua intimidade. Não contava já as historietas maliciosas de antigamente, começou a sutilizar-se numa espécie de parábolas, de hermetismos simbólicos.

 

     Por último preferia calar; a pouco e pouco foi-se afastando do convívio deles. E na derradeira historieta que lhe ouviram – aquela de um homem que desaprendera de falar – confirmou-se a ulterior evolução. Depois, viajou ou foi guilhotinado, porque ninguém o viu nem dele teve noticia.

 

         No papel, em letra de forma, estas fábulas sem lição (vamos afinal chamar assim) perdem muitíssimo. Enquanto esperamos da nova técnica o livro audi-visual, o leitor benévolo vai ter paciência, e colaborar: imaginando o que seriam tais fábulas nos lábios e no gesto do modelador das palavras.

 

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